FESTA DE ACOLHIDA DOS JOVENS NO PORTO DE BARANGAROO. AS PALAVRAS DO PAPA
Queridos jovens, (…) Seja qual for o país donde vindes, finalmente estamos aqui,
em Sidney! E juntos estamos presentes neste nosso mundo como família de Deus, como
discípulos de Cristo, confirmados pelo seu Espírito para sermos testemunhas do seu
amor e da sua verdade diante de todos. Desejo em primeiro lugar agradecer aos
Anciãos dos Aborígenes que me deram as boas-vindas antes de eu subir para o barco
na Rose Bay. Sinto-me profundamente emocionado por me encontrar na vossa terra, sabendo
dos sofrimentos e injustiças que esta suportou, mas ciente também da beneficiação
e esperança agora em acto, de que justamente todos os cidadãos australianos podem
ser orgulhosos. Aos jovens indígenas – aborígenes e habitantes das Ilhas do Estreito
de Torres – e Tokelauanos, exprimo o meu obrigado pela tocantes boas-vindas. E, através
de vós, envio cordiais saudações aos vossos povos. (…) Vejo diante de mim uma
imagem vibrante da Igreja universal. A variedade de nações e culturas donde provindes
demonstra que a Boa Nova de Cristo é verdadeiramente para todos e cada um; ela chegou
aos confins da terra. E, no entanto, sei também que um bom número de vós ainda anda
à procura duma pátria espiritual. Alguns dentre vós, sem dúvida alguma bem-vindos
entre nós, não são católicos nem cristãos. Talvez outros de vós se movam na periferia
da vida da paróquia e da Igreja. A vós desejo oferecer o meu encorajamento: aproximai-vos
do abraço amoroso de Cristo; reconhecei a Igreja como vossa casa. Ninguém é obrigado
a ficar de fora, porque desde o dia do Pentecostes a Igreja é una e universal. Nesta
tarde, desejo abarcar também quantos não estão aqui presentes entre nós. Penso de
modo especial nos doentes ou nos deficientes psíquicos, nos jovens encarcerados, em
quantos penam à margem das nossas sociedades e naqueles que por qualquer razão se
sentem alienados da Igreja. A eles digo: Jesus está perto de ti! Experimenta o seu
abraço que cura, a sua compaixão, a sua misericórdia! Há quase dois mil anos,
os Apóstolos, reunidos na sala superior da casa juntamente com Maria (cf. Act 1, 14)
e algumas mulheres fiéis, ficaram cheios de Espírito Santo (cf. Act 2, 4). Naquele
momento extraordinário que marcou o nascimento da Igreja, a confusão e o medo, que
se tinham apoderado dos discípulos de Cristo, transformaram-se numa convicção vigorosa
e na certeza de um objectivo. Sentiram-se impelidos a falar do seu encontro com Jesus
ressuscitado, que afectuosamente já tratavam por Senhor. (…) E, dando cumprimento
ao mandato recebido do próprio Cristo, partiram testemunhando a maior história de
todos os tempos: que Deus Se fez um de nós, que o divino entrou na história humana
para poder transformá-la e que somos chamados a mergulhar no amor salvífico de Cristo
que triunfa do mal e da morte. No famoso discurso feito no areópago, São Paulo introduziu
a mensagem assim: Deus a todos dá a vida, a respiração e tudo o mais, para que todas
as Nações procurem a Deus e se esforcem por encontrá-Lo, mesmo tacteando, embora não
Se encontre longe de cada um de nós, porque é n’Ele que vivemos, nos movemos e existimos
(cf. Act 17, 25-28). A partir de então, homens e mulheres partiram para contar
a mesma história, testemunhando o amor e a verdade de Cristo e contribuindo para a
missão da Igreja. (…) Tornaram-se construtores humildes mas tenazes duma herança social
e espiritual tão grande que ainda hoje proporciona bondade, compaixão e orientação
a estas nações. E foram capazes de inspirar uma geração nova. Vem à mente imediatamente
a fé que sustentou a Beata Mary MacKillop na sua resoluta determinação de educar especialmente
os pobres, e o Beato Peter To Rot na sua firme convicção de que o chefe duma comunidade
deve pautar-se sempre pelo Evangelho. Pensai ainda nos vossos avós e nos vossos pais,
os vossos primeiros mestres na fé. Também eles sacrificaram muito do seu tempo e das
suas forças, movidos pelo amor que vos têm. (…) Hoje é a minha vez. (…) E todavia
a vista do alto sobre o nosso planeta foi verdadeiramente magnífica. As águas tremeluzentes
do Mediterrâneo, a magnificência do deserto norte-africano, a floresta luxuriante
da Ásia, a vastidão do Oceano Pacífico, o horizonte onde o sol se levanta e desce,
o majestoso esplendor da beleza natural da Austrália de que pude gozar nos últimos
dois dias; tudo isto gera um profundo sentido de reverente temor. (…) Mas há
mais; algo cuja percepção é difícil quando visto do alto dos céus: homens e mulheres
criados nada menos que à imagem e semelhança de Deus (cf. Gen 1, 26). No coração desta
criação maravilhosa, estamos nós: vós e eu, a família humana «coroada de glória e
honra» (…) Imersos no silêncio, num espírito de gratidão, na força da santidade,
pomo-nos a reflectir. E que descobrimos? Com relutância talvez, mas chegamos
a admitir que existem também feridas que desfiguram a superfície da terra: a erosão,
o desflorestamento, o esbanjamento dos recursos minerais e marítimos para alimentar
um consumismo insaciável. Alguns de vós chegam das ilhas-Estado, que se vêem ameaçadas
na sua própria existência pelo aumento do nível das águas; outros de nações que sofrem
os efeitos de secas devastadoras. (…) E mais… Que dizer do homem, do vértice da
criação de Deus? Todos os dias deparamos com o génio das conquistas humanas. Devido
aos avanços nas ciências médicas e à sábia aplicação da tecnologia até à criatividade
que se espelha nas artes, cresce de muitos modos e constantemente a qualidade de vida
para satisfação das pessoas. Em vós mesmos, há uma pronta disponibilidade para acolher
as abundantes oportunidades que vos são oferecidas. (…) Por isso, levando por
diante a nossa reflexão, descobrimos que não é só o ambiente natural que tem as suas
cicatrizes, mas também o ambiente social, o habitat que nós mesmos criamos; feridas
essas que indicam que alguma coisa não está certa. Também aqui, nas nossas vidas pessoais
e nas nossas comunidades, podemos encontrar inimizades por vezes perigosas; um veneno
que ameaça corroer o que é bom, plasmar de modo diferente o que somos e alterar a
finalidade para a qual fomos criados. Os exemplos não faltam, como bem sabeis. Entre
os mais salientes, contam-se o abuso de álcool e de drogas, a exaltação da violência
e a degradação sexual, frequentemente apresentados na televisão e na internet como
divertimento. Pergunto-me como alguém, colocado face a face com pessoas que estão
realmente sofrendo violência e exploração sexual, poderá explicar que tais tragédias,
reproduzidas de forma virtual, devem considerar-se simplesmente como «divertimento». Além
disso, há algo de sinistro que nasce do facto de liberdade e tolerância serem tantas
vezes separadas da verdade. Isto é alimentado pela ideia, hoje largamente espalhada,
de que não há uma verdade absoluta para guiar as nossas vidas. Na prática dando indiscriminadamente
valor a tudo, o relativismo fez da «experiência» a coisa mais importante. Na realidade,
as experiências, desligadas de qualquer consideração do que é bom ou verdadeiro, podem
conduzir, não a uma liberdade genuína, mas a uma confusão moral ou intelectual, a
uma atenuação dos princípios, à perda da auto-estima e mesmo ao desespero. Queridos
amigos, a vida não é governada pela sorte, nem é casual. A vossa existência pessoal
foi querida por Deus, abençoada por Ele, tendo-lhe dado uma finalidade (cf. Gen 1,
28). A vida não é uma mera sucessão de factos e experiências, por mais úteis que muitos
deles se possam revelar. Mas é uma busca da verdade, do bem e da beleza. É precisamente
para tal fim que fazemos as nossas opções, exercemos a nossa liberdade e nisso mesmo,
isto é, na verdade, no bem e na beleza, encontramos felicidade e alegria. (…) Cristo
oferece mais… antes, oferece tudo! Só Ele, que é a Verdade, pode ser o Caminho e,
consequentemente, também a Vida. (…) Queridos amigos, em casa, na escola, na universidade,
nos lugares de trabalho e de diversão, recordai-vos que sois criaturas novas. Não
vos limiteis a viver cheios de assombro na presença do Criador, alegrando-vos pelas
suas obras, mas tende presente que o alicerce seguro da solidariedade humana está
na origem comum de toda a pessoa, o vértice do desígnio criador de Deus sobre o mundo.
Como cristãos, encontrais-vos neste mundo sabendo que Deus tem um rosto humano: Jesus
Cristo, o «caminho» que satisfaz todo o anseio humano e a «vida» da qual somos chamados
a dar testemunho, caminhando sempre na sua luz (cf. ibid., 100). A tarefa de testemunha
não é fácil. Hoje, há muitos que pretendem que Deus deva ficar de fora e que a religião
e a fé, embora aceitáveis no plano individual, devam ser excluídas da vida pública
ou então utilizadas somente para alcançar determinados objectivos pragmáticos. Esta
perspectiva secularizada procura explicar a vida humana e plasmar a sociedade com
pouco ou nenhum referimento ao Criador. Apresenta-se como uma força neutral, imparcial
e respeitadora de todos e cada um. Na realidade, porém, como qualquer ideologia, o
secularismo impõe um visão global. Se Deus é irrelevante na vida pública, então a
sociedade poderá ser plasmada segundo uma imagem alheada de Deus, e o debate e a política
relativos ao bem comum serão conduzidos mais à luz das consequências que dos princípios
radicados na verdade. A experiência, porém, demonstra que o afastamento do desígnio
de Deus criador provoca uma desordem com inevitáveis repercussões sobre o resto da
criação (cf. Mensagem para o Dia Mundial da Paz 1990, 5). (…) E que dizer do nosso
ambiente social? Permanecemos igualmente alerta quanto aos sinais do nosso voltar
as costas à estrutura moral de que Deus dotou a humanidade (cf. Mensagem para o Dia
Mundial da Paz 2007, 8)? (…) Deste modo somos levados a reflectir sobre o lugar que
têm nas nossas sociedades os pobres, os idosos, os imigrantes, os sem voz. Como é
possível que a violência doméstica atormente tantas mães e crianças? Como é possível
que o espaço humano mais admirável e sagrado, o ventre materno, se tenha tornado lugar
de violência indizível? (…) O nosso mundo está cansado da ambição, da exploração
e da divisão, do tédio de falsos ídolos e de respostas parciais, e da mágoa de falsas
promessas. O nosso coração e a nossa mente anelam por uma visão da vida onde reine
o amor, onde os dons sejam partilhados, onde se construa a unidade, onde a liberdade
encontre o seu próprio significado na verdade, e onde a identidade seja encontrada
numa comunhão respeitosa. Esta é obra do Espírito Santo. Esta é a esperança oferecida
pelo Evangelho de Jesus Cristo. Foi para dar testemunho desta realidade que fostes
regenerados no Baptismo e fortalecidos com os dons do Espírito no Crisma. Seja esta
a mensagem que de Sidney levareis pelo mundo!
(...)Queridos amigos dos vários
países de língua oficial portuguesa, bem-vindos a Sidney! A todos saúdo com afecto:
os de perto e os de longe. Lá, na vossa Pátria, tereis ouvido Jesus segredar-vos:
«Sereis minhas testemunhas… até aos confins do mundo» (Act 1, 8). A viagem mais ou
menos longa que enfrentastes para chegar até aqui, à Austrália ou – de seu nome cristão
completo – «Terra Austral do Espírito Santo», não deixou em vós a sensação de terdes
chegado aos confins do mundo? Pois bem! É com grande alegria que o Papa vos acolhe
para vos confirmar como testemunhas de Jesus, por Ele acreditadas com o dom do seu
próprio Espírito.
A versão integral dos discursos pronunciados pelo Santo
Padre está disponível no site da Santa Sé www.vatican.va e nas várias edições do jornal
L’Osservatore Romano.