Carta pastoral do Patriarca de Lisboa com apelos ao diálogo e á presença na sociedade
(20/5/2008) O Cardeal-Patriarca de Lisboa, D. José Policarpo, publicou este Domingo
uma Carta Pastoral na qual deixa apelos em favor de uma Igreja mais activa num tempo
de “mutação cultural”, lamentando que a comunidade católica tenha vindo a perder espaço
na sociedade "como principal fonte inspiradora de valores da humanidade". Assim,
a Carta frisa que a Igreja “não pode cruzar os braços e renunciar à sua mensagem,
mas deve fazê-lo por outro caminho: o da fidelidade interna a Jesus Cristo e ao Seu
Evangelho e o do serviço à sociedade, à pessoa humana, suscitando pelo amor e pelo
serviço, as sementes de esperança que ainda não morreram no coração dos homens”. “A
autenticidade do seu serviço à humanidade deve impor-se por si, e não por mera lógica
de poder”, acrescenta. A missiva, que assinala os 30 anos de Bispo e 10 de Patriarca,
tem como título “A Igreja no tempo e em cada tempo”. Foi divulgada no Dia da Igreja
Diocesana 2008, celebração que reuniu cerca de 400 participantes. D. José Policarpo
alerta que “é um erro considerar a fé cristã como uma atitude estritamente individual.
Quer no seu dinamismo interno, quer na sua missão no mundo, a Igreja situa-se necessariamente
num quadro cultural”. “Sem a radicalidade evangélica autêntica da vida, a Igreja
será, sobretudo, vítima da mutação cultural. Só isso lhe dará autoridade para, no
inevitável debate cultural, afirmar a diferença de modo a interpelar e rasgar novos
horizontes de esperança”, precisa. O texto admite que “hoje há uma fronteira de
tensão entre a Igreja e a sociedade na afirmação dos valores morais, inspiradores
da dignidade do homem e do sentido último da existência humana. A sociedade pressiona
a Igreja para que adopte a sua dimensão secular de valores, evolutiva e pouco sensível
à dimensão perene da vida humana”. O Cardeal-Patriarca refere que a retirada de
“Deus da vida do homem, em termos culturais” levou a que o ser humano ficasse “dependente
de si mesmo, da sua inteligência, da sua liberdade, da sua criatividade e perdeu algo
de muito importante na auto-compreensão de si mesmo, que é a consciência da sua precariedade
e incapacidade”. “A absolutização da liberdade individual levou ao relativismo
ético. Cada um decide a orientação da sua vida, o que é bem e o que é mal, progressivamente
insensível aos valores de uma cultura comunitária”, atira. Após defender uma “visão
clara do rosto positivo da sociedade”, o texto indica que a Igreja deve ter “uma consciência
clara de dinamismos e realidades que na sociedade contemporânea são contra o homem:
a violência e a guerra escolhidos conscientemente como caminhos para alcançar certos
objectivos; os egoísmos e a primazia do lucro nos processos de desenvolvimento económico;
a relativização da consciência moral; o relativismo da verdade; a alteração dos modelos
de felicidade, marcada pelo hedonismo, o consumismo e a incapacidade de integrar as
dificuldades e o sofrimento”. Igreja em mudança Depois de lembrar a
sua vivência do Concílio Vaticano II, nos anos 60 do século passado - “foi uma ousadia
corajosa convidar a Igreja à mudança” -, D. José Policarpo advoga que “houve mudanças
na Igreja que significaram cedência ao espírito do mundo”. “Adoptar, para estar
próxima dos homens, os critérios do mundo é, para a Igreja, o caminho menos indicado
para mudar ao ritmo das exigências da missão. E a sociedade pressiona-a continuamente
a mudanças segundo as exigências da cultura secularizada: casamento dos padres, ordenação
de mulheres, aceitação de segundos casamentos, etc”, elenca. Esta rejeição da
mudança por “motivações profanas da cultura envolvente”, não deve significar, segundo
o Patriarca de Lisboa, “a recusa de toda e qualquer mudança”. Na Carta Pastoral,
o Cardeal D. José Policarpo mostra-se preocupado com a ignorância de muitos fiéis
que têm a Bíblia em casa mas não a lêem, com a pobreza e má qualidade de muitas celebrações
litúrgicas, com a falta de oração e participação dos leigos na vida da Igreja. Considera
ainda urgente "redescobrir o dinamismo da iniciação cristã" para atrair as pessoas,
como através da catequese de adultos ou catecumenato (iniciação cristã) para os adultos
não baptizados. “Esta poderá a ser a grande revolução da nossa Igreja diocesana:
encontrar caminhos novos, inventivos e, porventura, ousados, de anunciar Jesus Cristo
aos que nunca se encontraram com Ele e fazer com eles, com o ritmo sugerido pelas
suas vidas, essa caminhada fundamental de enraizamento em Jesus Cristo e na Sua Igreja”,
escreve. Noutro âmbito, o Cardeal-Patriarca sublinha o crescente protagonismo
dos leigos na vida da Igreja, “uma fisionomia nova do rosto da Igreja, que supõe,
disse Bento XVI aos Bispos Portugueses, uma contínua mudança de mentalidade”. A
Carta assinala que “a Igreja dará prioridade aos mais pobres, aos mais frágeis da
sociedade”. “Esta opção não pode ser teórica, exige que se conheça, em cada tempo,
a realidade da pobreza na nossa Diocese e que se vá ao seu encontro, através das pessoas
e das instituições”, pode ler-se. A parte final desta missiva é dedicada às relações
Igreja-Estado, com destaque para a nova Concordata . D. José Policarpo afirma
que “a Igreja não exige que os poderes públicos protejam ou imponham os seus valores
específicos, mas espera que esses mesmos poderes defendam e promovam tais valores
universais”. A Concordata mantém-se válida nos princípios que transitam para a
nova concordata enquanto esta não for regulamentada pela Assembleia da República ou
pelo governo. É uma das questões sublinhadas pelo Cardeal Patriarca de Lisboa na
carta pastoral, uma carta para assinalar também os 30 anos de episcopado e os
10 anos de patriarca. Questões como o estatuto das escolas católicas, a disciplina
de educação moral e religiosa católica e assistência religiosa hospitalar e em
meios prisionais mantém-se ainda por resolver, apesar da Concordata entre a Santa Sé
e o Estado Português ter sido assinada há quatro anos. -Em entrevista ao
nosso correspondente em Portugal Domingos Pinto, D. José Policarpo admite que nem
todos os intervenientes políticos da altura em que este tratado internacional foi
assinado tinham consciência do ritmo a seguir, mas está optimista quanto ao desfecho
das negociações com o governo.
Uma entrevista onde aborda ainda o braço de
ferro entre o governo e as Instituições Particulares de Solidariedade Social e
onde se mostra preocupado com a ignorância de muitos fieis que têm a bíblia mas
não a lêem, com a pobreza e a má qualidade das celebrações litúrgicas, com a falta
de oração e participação dos leigos na vida da igreja... Algumas das preocupações
do Cardeal Patriarca de Lisboa sobre temas importantes da vida da igreja e da actualidade
em Portugal, em especial, nas matérias que neste momento estão a gerar alguma tensão
entre a Igreja e o Estado.