TEXTO INTEGRAL DO DISCURSO PROFERIDO PELO PAPA NA CERIMÔNIA DE BOAS-VINDAS AOS EUA
Washington, 16 abr (RV) - Senhor Presidente,
Obrigado pelas gentis boas-vindas
em nome de todo o povo dos EUA. Aprecio profundamente seu convite para visitar este
grande país. Minha chegada coincide com um momento importante para a comunidade católica
da América, ou seja, a celebração do segundo centenário da elevação a arquidiocese
metropolitana da primeira diocese do país, Baltimore, e a fundação das sedes de Nova
York, Boston, Filadélfia e Louisville. Estou também muito feliz por ser hóspede de
todos os americanos.
Venho como amigo e anunciador do Evangelho, como uma pessoa
que respeita muito esta vasta sociedade pluralista. Os católicos americanos ofereceram
e continuam a oferecer uma excelente contribuição para a vida de seu país. Ao iniciar
esta visita, espero que minha presença possa ser uma fonte de renovação e esperança
para a Igreja nos Estados Unidos e reforce a determinação dos católicos em contribuir
com ainda mais responsabilidade na vida da nação, da qual são orgulhosos de ser cidadãos.
Desde as origens da República, a busca de liberdade na América sempre foi
inspirada pela convicção de que os princípios que governam a vida política e social
estão intimamente relacionados com uma ordem moral baseada na realeza de Deus Criador.
Os redatores dos documentos constitutivos desta Nação se basearam nesta convicção
quando proclamaram a ‘verdade evidente por si mesma’, que todos os homens são criados
iguais e dotados de direitos inalienáveis, fundados na lei natural e no Deus desta
natureza. O caminho da história americana evidencia as dificuldades, as lutas e a
grande determinação intelectual e moral que foram necessárias para formar uma sociedade
que incorporasse fielmente esses nobres princípios. Ao longo deste processo, que forjou
a alma desta Nação, as crenças religiosas foram uma inspiração constante e uma força
orientadora como, por exemplo, na luta à escravidão e no movimento pelos direitos
civis. Ainda em nossos tempos, especialmente nos momentos de crise, os americanos
continuam a encontrar energias na adesão a este patrimônio de ideais e aspirações
compartilhados.
Aguardo com alegria a ocasião de encontrar, nos próximos dias,
não só a comunidade católica dos EUA, mas também outras comunidades cristãs e
delegações de muitas tradições religiosas presentes neste país. Historicamente, não
somente os católicos, mas todos os fiéis encontraram aqui a liberdade de adorar a
Deus segundo os princípios de sua consciência, sendo ao mesmo tempo aceitos como
integrantes desta confederação, na qual todo indivíduo e todo grupo pode fazer ouvir
a sua voz. Agora, que a Nação deve enfrentar gestões políticas e éticas sempre mais
complexas, acredito que os americanos poderão encontrar, em suas crenças religiosas,
uma fonte preciosa de discernimento e uma inspiração para perseguir um diálogo inteligente,
responsável e respeitoso no esforço de edificar uma sociedade mais humana e livre.
A liberdade não é apenas um dom, mas também um apelo à responsabilidade pessoal.
Os americanos o sabem, por experiência. Quase todas as cidades deste país possuem
monumentos em homenagem àqueles que sacrificaram suas vidas em defesa da liberdade,
seja na própria terra, seja em outras. A defesa da liberdade convida a cultivar virtudes,
autodisciplina, sacrifício pelo bem comum e um sentido de responsabilidade em relação
aos menos favorecidos. Exige também a coragem de se engajar na vida civil, levando
as próprias crenças religiosas e valores mais profundos a um debate público sensato.
Resumindo, a liberdade é sempre nova. Trata-se de um desafio apresentado a todas as
gerações, que deve ser constantemente vencido em prol da causa do bem (cfr Spe Salvi,
24). Poucos compreenderam isto de modo tão lúcido como o Papa João Paulo II, de venerada
memória. Ao refletir sobre a vitória espiritual da liberdade sobre o totalitarismo
em sua nativa Polônia e no Leste da Europa, ele nos recordou que a história evidencia,
tantas vezes, que “em um mundo sem verdade, a liberdade perde o próprio fundamento”,
e uma democracia sem valores pode perder a sua própria alma (cfr. Centesimus annus,
46). Essas palavras proféticas repercutem de certa forma a convicção do Presidente
Washington, expressa em seu discurso de despedida, de que a religião e a moralidade
são ‘bases indispensáveis’ da prosperidade política.
A Igreja, por sua vez,
deseja contribuir para a construção de um mundo melhor, mais digno da pessoa humana
criada à imagem e semelhança de Deus. Ela está convencida de que a fé oferece uma
nova luz sobre as coisas e que o Evangelho revela a nobre vocação e o sublime destino
de todo homem e mulher (cfr Gaudim et spes, 10). Além disso, a fé nos oferece a força
para responder à nossa nobre vocação e a esperança que nos inspira a atuar por uma
sociedade sempre mais justa e fraterna. Como seus Pais fundadores bem o sabiam, a
democracia pode florescer somente quando os líderes políticos e os que são representados
por eles são conduzidos pela verdade e possuem a sabedoria, gerada pelo princípio
moral, para as decisões que dizem respeito à vida e ao futuro da Nação.
Há
mais de um século, os EUA desempenham um papel importante na comunidade internacional.
Sexta-feira próxima, se Deus quiser, terei a honra de proferir um discurso na Organização
das Nações Unidas, onde espero encorajar os esforços que estão sendo feitos para tornar
aquela instituição uma voz ainda mais eficaz para as legítimas aspirações de todos
os povos do mundo. A respeito, no 60º aniversário da Declaração dos Direitos Humanos,
a exigência de uma solidariedade global é mais urgente do que nunca se quisermos que
todos possam viver de modo adequado à sua dignidade, como irmãos e irmãs que vivem
na mesma casa, ao redor da mesa que a bondade de Deus preparou para todos os seus
filhos. A América sempre se demonstrou generosa indo ao encontro das necessidades
humanas mais imediatas, promovendo o desenvolvimento e oferecendo conforto às vítimas
de catástrofes naturais. Confio que tal preocupação pela grande família humana continuará
a expressar-se, ao sustentar os esforços pacientes da diplomacia internacional para
solucionar os conflitos e promover o progresso. Assim, as gerações futuras poderão
viver em um mundo no qual a verdade, a liberdade e a justiça possam florescer; um
mundo no qual a dignidade e os direitos dados por Deus a todos os homens, mulheres
e crianças sejam levados em consideração, protegidos e promovidos eficazmente.
Senhor
Presidente, queridos amigos: enquanto começo esta visita aos EUA, quero expressar
mais uma vez a minha gratidão pelo convite que me foi dirigido, a alegria de estar
em meio a vocês e a minha fervorosa oração a Deus Todo-poderoso para que confirme
esta Nação e seu povo nos caminhos da justiça, da prosperidade e da paz. Deus abençoe
os Estados Unidos!