2008-02-13 12:18:56

Caridade e justiça, na conversão pessoal: Mensagem do Bispo do Funchal para a Quaresma


(13/2/2008)
“Voltai-vos para o Senhor de todo o coração (…).
Rasgai o vosso coração e não os vossos vestidos” (Joel 2, 12).
1. “Voltai-vos para o Senhor de todo o coração” – É com estas palavras do profeta Joel, recordadas na liturgia de Quarta-Feira de Cinzas, que me dirijo a vós, caros Diocesanos da Madeira e Porto Santo, ao iniciarmos o santo tempo da Quaresma. Nelas vai o meu convite e apelo a que vivamos, com intensidade, este “tempo favorável” à nossa salvação, em caminhada solidária com toda a Igreja.
A Quaresma é tempo de preparação para a Páscoa; tempo de saborear e aprofundar o sentido do nosso Baptismo, nas suas múltiplas implicações; tempo de aceitar o desafio de caminharmos ao encontro do verdadeiro rosto de Cristo, em escuta atenta da Palavra, na oração e no acolhimento da reconciliação sacramental; tempo de voltar para o Senhor com todo o coração, em conversão de amor a Deus e aos irmãos.
Juntos, nesta caminhada, vamos confiantes no amor misericordioso de Jesus, que faz caminho connosco, pelo deserto das nossas fragilidades e pecados, nos perdoa e conforta, nos mostra o caminho da alegria pascal.
Caridade e justiça
2. Tendo, ainda, muito presente a reflexão das últimas Jornadas de Actualização sobre “A Doutrina Social da Igreja - Fonte de Esperança”, é particularmente forte para a nossa Diocese o apelo a um compromisso sempre maior de testemunhar a caridade e construir a justiça.
A natureza íntima da missão da Igreja exprime-se não apenas no anúncio da Palavra e na celebração dos Sacramentos, mas também e de modo muito particular no serviço da Caridade. A Igreja é fruto e habitação da caridade de Deus e há-de ser expressão dela. Na sua missão, porém, a Igreja não poderá limitar-se à acção caritativa, mediante as suas próprias estruturas de assistência social, mas terá também de contribuir e de se empenhar para que a justiça se implante, para que se reconheça e realize aquilo que é justo. A justiça não é a caridade, todavia precisa da caridade para ser verdadeira justiça. Ambas devem manter-se unidas.
Não poderão, porventura, ser tomadas as obras da caridade como pretensas formas de “pacificar” algumas consciências, fugindo às obrigações da justiça? – O Concílio Vaticano II insiste, fortemente, na relação inseparável entre caridade e justiça, “para que não se ofereça como dom da caridade aquilo que já é devido a título de justiça” (GS, 69; AA, 8).
Será que poderemos construir a justiça sem a caridade? Poderá a justiça subsistir sem a caridade? – A história do Homem mostra-nos que, somente com a justiça, não resolveremos os grandes problemas do Homem. Diz-nos o Papa Bento XVI, na sua primeira Encíclica, que “o amor - ‘caritas’ - será sempre necessário, mesmo na sociedade mais justa. Não há qualquer ordenamento estatal justo que possa tornar supérfluo o serviço do amor” (Deus é Amor, 28 b). Impõe-se, por isso, passar do campo da estrita justiça à abundância da caridade.
Sempre mais e melhor
3. A Quaresma é, na tradição da Igreja, um tempo especial de conversão e de graça, propício à prática das boas obras; uma oportunidade para crescermos no amor-caridade, tanto nas relações inter-pessoais, como na acção organizada da caridade da Igreja, através de serviços apropriados e vocacionados para ajudar os que mais precisam. São muitas as necessidades a atender, são muitas as formas de concretizar o auxílio material e espiritual significado nas tradicionais obras de misericórdia.
Na nossa Diocese, não podemos esquecer a generosidade de tanta gente junto dos mais pobres, bem como a relevante actividade da Caritas Diocesana, das Conferências de S. Vicente de Paulo e de um número significativo de Instituições Particulares de Solidariedade Social. Apesar das suas limitações e eventuais dificuldades, há que dar graças a Deus pelos serviços prestados, muitas vezes em regime de voluntariado e com a alma cristã do amor-caridade, que pretendem testemunhar. Que procurem fazer sempre mais e sempre melhor.
Também a caridade da Igreja se há-de manifestar na promoção da justiça, estimulando a participação dos cristãos na sociedade civil, em acções e instituições de defesa dos direitos humanos, nomeadamente nos domínios da família e da vida, do trabalho e da economia, da educação e da saúde. A condição cristã envolve uma vocação pública, a exercer como proposta de humanização da nossa sociedade.
A prática da esmola
4. Na sua Mensagem para a Quaresma deste ano, o Papa Bento XVI propõe aos fiéis a prática da esmola como “forma concreta de socorrer quem se encontra em necessidade e, ao mesmo tempo, uma prática ascética para se libertar da afeição aos bens terrenos” (nº 1).
A esmola dada aos pobres constitui um dos belos testemunhos da caridade fraterna e, tendo em atenção o valor social dos bens materiais, em muitos casos, “é um dever de justiça, ainda antes de ser um gesto de caridade” (nº 2).
A esmola, diz o Papa, leva-nos ao encontro dos outros e a partilhar o que possuímos, discretamente e para a maior glória de Deus, na certeza de que Deus “vê no segredo” e no segredo recompensará. Leva-nos a experimentar, num gesto de doação, a beleza da vida como bênção, paz, satisfação interior, alegria e perdão. A esmola educa para a generosidade do amor e o que lhe dá valor é o amor (cf. nº 5).
Interpelando-nos, ainda, a este propósito, Bento XVI recorda as palavras de S. João: “Aquele que tiver bens deste mundo e vir o seu irmão sofrer necessidade, mas lhe fechar o coração, como pode estar nele o amor de Deus?” (1Jo 3,17).
A grande mudança, a grande conversão da nossa vida deve ser sempre a conversão a um amor maior, mais sincero e generoso, mais dedicado e universal. Se Deus é Amor, o importante é amar!
Renúncia quaresmal
5. “Voltai-vos para o Senhor de todo o coração” (Joel 2, 12) – É na contemplação do rosto de Cristo, que dá a vida pela salvação de todos os homens e mulheres, que nos poderemos lançar na ousadia da caridade; só partindo d’Ele poderemos, como Igreja, descobrir novos caminhos e projectos criativos, capazes de infundir uma sólida esperança para viver e fomentar, em toda a sociedade, uma cultura de justiça, de solidariedade, de fraternidade e de amor.
Entre nós é já tradição que uma das expressões da caridade seja a nossa renúncia quaresmal, partilhando cada um mais generosamente aquilo que tem, em favor dos mais necessitados, e colaborando em projectos propostos pela própria Diocese, num gesto de comunhão eclesial, como acontecia na Igreja primitiva (cf. 2Cor 8,9; Rom 15,25-27).
Também segundo a tradição, a nossa renúncia quaresmal terá duas finalidades: uma de apoio a projectos da Igreja noutros Países e outra para necessidades da Diocese. Neste ano será repartida, em partes iguais, para as vítimas das recentes cheias em Moçambique, consideradas as piores dos últimos anos, e para um Fundo Social Diocesano, tendo em vista uma ajuda mais eficaz às situações de pobreza real, muitas vezes envergonhada, que algumas instituições da Igreja bem conhecem, por exercerem a sua actividade numa relação muito próxima e personalizada. Sejamos generosos!
Com a bênção de Maria
6. Quaresma é tempo de oração. Sem vida de oração não é possível viver o Evangelho e voltar o coração para o Senhor, entrar no dinamismo da caridade, fazer-se ao largo e ousar ir mais longe.
A sociedade precisa de cristãos comprometidos, porque é urgente levar Cristo para o meio da vida das pessoas, com palavras e obras carregadas de ânimo e de esperança, para que ninguém desanime e todos se levantem, sempre, com novo vigor. Sem oração, porém, tal compromisso não será possível.
É pois urgente rezar e aprender a rezar bem, alimentados pela Palavra de Deus e pela Eucaristia. Só em Cristo aprenderemos o louvor, a acção de graças, a entrega que dá sentido aos nossos passos.
Maria, Mãe da Igreja e nossa Mãe, nos ensine a rezar, nos abençoe e acompanhe nesta caminhada, que juntos empreendemos, rumo à Páscoa do seu Filho Jesus.
Catedral do Funchal, 6 de Fevereiro de 2008
D. António José Cavaco Carrilho, Bispo do Funchal








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