Sejamos mais livres, na única liberdade do bem! Mensagem Quaresmal do Bispo do Porto
(12/2/2008) Estimados diocesanos, Tomemos a Quaresma como ela nos é oferecida.
Oferecida pela Igreja, na Palavra escolhida para a Liturgia dominical e ferial, tão
bem escalonada para conduzir os catecúmenos e reconduzir os fiéis à celebração pascal.
Oferecida no mais insistente convite à conversão e à penitência, em geral e sacramentalmente
activadas. Oferecida também nas manifestações para-litúrgicas e da piedade cristã,
próprias deste tempo e tão sugestivas, com relevo para a Via-Sacra. Seja a Quaresma
um tempo mais atento ao nosso Deus, que muito nos dirá no “deserto” que fizermos,
mesmo por entre as ocupações do dia a dia. Exactamente para que a vida não fique árida
e desgastante, aproveitemos a Quaresma para escolher Deus como fonte e a oração como
alento. Acompanhemos Jesus, que nos acompanhou a nós, ensinando-nos a escolher
o Pai e a sua vontade, mais do que a qualquer outro apego. Foi as nossas tentações
que Ele venceu, do materialismo às aparências e à sede de poder. Seleccionemos mesmo
o que concretamente nos impede agora, como pessoas e comunidades, de estar mais com
Cristo no Pai, com a vida na fonte, com o coração em Deus: esse mesmo exame de consciência
nos indicará o mal e a cura! Nisto nos ajudará o jejum. Um jejum que nos faça
mais frugais e sóbrios, para fortalecermos a nossa liberdade, na suficiência do essencial.
Na verdade, só nos convencemos do que exercitamos e só seremos livres quando nos resumirmos
ao necessário. Quando “escolhermos a melhor parte” e quando “procurarmos antes de
mais o reino e a sua justiça”. Aliás, só assim virá também o “acréscimo”. Rezemos
e jejuemos então, dando mais atenção a Deus e menos lugar aos consumos. Com isto seremos
decerto mais caridosos, porque a caridade só cresce em corações disponíveis. Disponíveis
para Deus e para os outros, libertos pelo e para o amor mais autêntico. Pascais, em
suma, como o seremos no final deste tempo litúrgico, feito existencial e realista.
Sejamos mesmo exemplares e proféticos, não desperdiçando as coisas nem esgotando os
recursos: isso mesmo definirá o nosso exercício quaresmal. É tão simples verificá-lo,
no exemplo de Jesus. Sem nada de farisaico ou petulante, deu todo o tempo ao Pai e
toda a disponibilidade aos outros. Sabia conviver e festejar, mas o coração estava-lhe
seguro e sereno n’Um só e num único modo de ser para todos. O Espírito o ungia a Ele,
o Espírito nos conduzirá a nós, nesta Quaresma de 2008. É exactamente para isso que
ela nos é oferecida. Para nos oferecermos com ela, ao serviço de Deus e do próximo.
Com mais silêncio, ganharemos na escuta, acolhendo a Palavra que nos fará seu eco.
Do que partilharmos ganharemos todos, pois “há maior felicidade em dar do que em receber”.
Ouvidos os Vigários da nossa Diocese, proponho-vos uma renúncia pecuniária, que
permita a constituição dum Fundo Social Diocesano. São vários os pedidos que me chegam
para apoiar esta ou aquela acção sócio-caritativa, com relevo para tudo quanto defenda
e promova a vida, da concepção à morte natural. Sabendo que, em todo o arco da existência
humana, há muita dignidade a defender em todos e cada um, quando não faltam infelizmente
graves obstáculos a ela: das dificuldades persistentes em constituir e manter a vida
familiar ou uma velhice acompanhada, às carências graves de subsistência ou realização
profissional, aos problemas de integração social e económica de muitos emigrantes,
aos tráficos inomináveis de droga e prostituição… Com o resultado da nossa renúncia
quaresmal, caríssimos diocesanos, poderemos colaborar melhor com todas as iniciativas
válidas, eclesiais ou outras, que visem debelar tais males. É o que vos proponho agora,
garantindo que vos darei conta dos contributos recebidos e do destino que tiverem.
Podereis entregar as vossas ofertas pecuniárias aos vossos párocos ou directamente
à Diocese, até à próxima Páscoa. Com tudo isto a celebraremos certamente mais,
ou seja, mais incluída na oferta que Cristo faz de si mesmo ao Pai; mais solidários,
como oferta que o Pai faz de todos nós, em Cristo, para a salvação do mundo, a começar
pelo mais próximo de cada um; e mais imersos na caridade universal do Espírito. Mais
livres, em suma, na única liberdade do bem! Convosco, sempre, + Manuel Clemente,
Bispo do Porto Quarta Feira de Cinzas, 6 de Fevereiro de 2008