NO DISCURSO À COMUNIDADE DA "LA SAPIENZA" PAPA PEDE QUE A RAZÃO JAMAIS DEIXE DE PROCURAR
A VERDADE
Cidade do Vaticano, 17 jan (RV) - Bento XVI lança um apelo a não cansar-se
de buscar a verdade, no discurso que teria proferido pessoalmente, esta manhã, durante
sua cancelada visita à Universidade romana "La Sapienza". A visita foi cancelada em
decorrência da falta de "pressupostos para um acolhimento digno e tranqüilo" _ como
escreveu o cardeal secretário de Estado, Tarcisio Bertone, numa carta endereçada ao
reitor da Universidade, Renato Guarini.
O discurso do pontífice foi lido por
um professor, na Sala Magna da Universidade, durante a inauguração do "ano acadêmico"
dessa Universidade, fundada pelo papa Bonifácio VIII, em 1303. As palavras do papa
foram longamente aplaudidas por todos os presentes. O texto de Bento XVI é hino à
liberdade e à responsabilidade da razão, que não deve fechar-se à grande mensagem
que vem da fé.
Em seu discurso, o papa expressa sua gratidão pelo convite a
visitar a Universidade "La Sapienza", que considera "dentre as mais prestigiosas Universidades
do mundo", por seu "elevado nível científico e cultural". "A "La Sapienza" _ afirma
_ "foi a Universidade do papa, mas hoje é uma Universidade leiga" e, como tal, autônoma
"de autoridades políticas e eclesiásticas", "ligada exclusivamente à autoridade da
verdade": nesse sentido, é uma instituição necessária à sociedade moderna.
Mas
_ pergunta-se Bento XVI _ "o que o papa tem a fazer ou a dizer na Universidade"?
"Seguramente
_ ressalta _ não deve procurar impor a outros, de modo autoritário, a fé, que pode
ser somente doada em liberdade." Sua tarefa, ao invés, é "manter firme a sensibilidade
pela verdade".
Cita Sócrates: sobre o interrogar-se desse filósofo grego nasce
o primeiro germe da Universidade. É a "sede de conhecimento... que é própria do homem.
Ele quer saber o que é tudo aquilo que o circunda. Quer a verdade". Assim, os cristãos
dos primeiros séculos _ recorda o papa _ reconheceram-se a si mesmos naquele interrogar-se
socrático, naquela "busca árdua da razão, para alcançar o conhecimento da verdade
inteira".
O pontífice convida a não perder "a coragem da verdade", a não desviar-se
"da busca da verdade", mas a permanecer "em caminho, com os grandes que ao longo da
história lutaram e procuraram, com suas respostas e com suas inquietações pela verdade,
que remete continuamente, para além de cada resposta individual".
"A verdade
_ precisa Bento XVI _ jamais é somente teórica." E citando Santo Agostinho, recorda
que "o simples saber... entristece". De fato, "quem vê e toma conhecimento somente
de tudo aquilo que se dá no mundo, acaba por tornar-se triste. Mas a verdade significa
mais que saber: o conhecimento da verdade tem como finalidade o conhecimento do bem."
"Esse
_ especifica _ é também o sentido do interrogar-se socrático: qual é o bem que nos
torna verdadeiros? A verdade nos torna bons, e a bondade é verdadeira: é esse o otimismo
que vive na fé cristã, porque a ela foi concedida a visão do Logos, da Razão criadora
que, na encarnação de Deus, se revelou junto como o Bem, como a própria Bondade."
A
seguir, o Santo Padre recorda "o mérito histórico de Santo Tomás de Aquino", que,
"diante da diferente resposta dos Padres da Igreja por causa de seu contexto histórico,
"evidenciou a autonomia da filosofia da teologia e, portanto, "o direito e a responsabilidade
próprios da razão, que se interroga baseada em suas forças".
O papa afirma
que "filosofia e teologia devem relacionar-se entre si "sem confusão e sem separação".
"Sem confusão" significa que cada uma das duas deve conservar a própria identidade".
"A
filosofia deve permanecer verdadeiramente uma busca da razão na própria liberdade
e na própria responsabilidade; deve ver os seus limites e justamente assim também
a sua grandeza e vastidão."
"A teologia deve continuar recorrendo a um tesouro
de conhecimento que ela mesma não inventou, que sempre a supera e que, jamais sendo
totalmente exaurível mediante a reflexão, justamente por isso ativa sempre novamente
o pensamento."
Ao mesmo tempo, não deve haver separação: "a filosofia não recomeça
cada vez do ponto zero" daquele que pensa de modo isolado, fora da história, mas se
insere "no grande diálogo da sabedoria histórica" sem "fechar-se diante daquilo que
as religiões e, em particular, a fé cristã, receberam e doaram à humanidade como indicação
do cominho".
Efetivamente _ afirma o pontífice _ "várias coisas ditas pelos
teólogos ao longo da história ou também traduzidas na prática pelas autoridades eclesiais
se demonstraram falsas pela história e hoje nos confundem. Mas, ao mesmo tempo, é
verdade que a história dos santos, a história do humanismo cresceu baseada na fé cristã,
que demonstra a verdade dessa fé em seu núcleo essencial, tornando-a com isso também
uma instância para a razão pública".
O papa recorda com gratidão, as conquistas
da humanidade no âmbito do conhecimento e dos direitos humanos. "Mas o caminho do
homem _ acrescentou _ nunca pode dizer-se completado, e o perigo da queda na desumanidade
jamais está totalmente esconjurado."
"O perigo do mundo ocidental... é hoje,
que o homem, justamente em consideração à grandeza de seu saber e poder, se renda
diante da questão da verdade", prosternado "diante da pressão dos interesses e da
atração da utilidade".
Bento XVI cita o filósofo Jürgen Habermas, que fala
em âmbito político da "sensibilidade pela verdade", que muitas vezes é sufocada pelos
interesses particulares. A mensagem cristã _ afirma _ quer sempre ser "um encorajamento
à verdade e assim uma força contra a pressão do poder e dos interesses".
Por
isso, convida a não confinar a fé à esfera privada, "com sua mensagem dirigida à razão".
De fato, se "a razão _ solícita de sua presumível pureza _ se torna surda à grande
mensagem que vem da fé cristã e da sua sabedoria, ela se torna árida" e "não se torna
maior, mas menor". Assim, a nossa cultura européia: se se preocupa somente com a sua
laicidade, "se se separa das raízes das quais vive", "não se torna mais racional e
mais pura, mas se descompõe e se esfacela".
Por fim _ volta a perguntar-se
Bento XVI _: "O que o papa tem a fazer ou a dizer na Universidade?"
Simplesmente
isto: "Convidar sempre e novamente a razão a colocar-se em busca do verdadeiro, do
bem, de Deus e, nesse caminho, exortá-la a notar as úteis luzes surgidas ao longo
da história da fé cristã e a perceber, assim, Jesus Cristo como a Luz que ilumina
a história e ajuda a encontrar o caminho rumo ao futuro." (RL/AF)