(17/12/2007) O mistério da Natividade de Jesus em Belém, da Judeia, é o acontecimento
original e marcante do Cristianismo, o ponto de partida da contagem da Era Cristã.
Não é de admirar, por isso, que nas literaturas dos países de tradição cristã, como
Portugal, se dê particular atenção a este acontecimento taumatúrgico, que os Evangelhos
cristãos de Mateus e de Lucas narram com contornos enternecedores, decalcando textos
bíblicos, antigos e proféticos. Aí, o Natal de Jesus e a Maternidade de Maria
são correlativos no que concerne à Natividade de Jesus, o divino Salvador. Na realidade,
percorrendo os diversos períodos da Literatura Portuguesa, podemos constatar como,
na prosa e na poesia, esse acontecimento mereceu atenção. Na prosa, como não recordar
os saborosos sermões de Pe. António Vieira e outros, bem como a bela e encantadora
obra de Aquilino Ribeiro, “O Livro do Menino Deus” (1945), com tantas anotações de
carácter etnográfico alusivas à celebração do Natal beirão, lembranças duma idade
vivida na candura da religião dos pais? E o paradoxal José Régio com as “Confissões
dum homem religioso” (1970), sempre às voltas com o problema da fé e da incredulidade?
Noutros escritores, poderíamos encontrar textos de rara beleza e profundo sentimentalismo,
referentes à celebração do Natal, à Ceia de Natal ou de Consoada, ou relativos ao
Presépio, à Missa do Galo ou da Meia-Noite. Um escritor contemporâneo, como Vasco
da Graça Moura, coligiu uma “Antologia “ de autores recentes, a que chamou “Gloria
in Excelsis Deo. Histórias Portuguesas de Natal” (2003). Mas é sobretudo a poesia,
que, com sentido de humanidade, de devoção e de elevação mística, mais se prende ao
facto da Encarnação do Filho de Deus na fragilidade da nossa natureza. Neste aspecto,
cheio de ressonâncias religiosas, é o livro de Silva Araújo – “Viver o Natal”. Colectânea
de teatros, canções, poemas, celebrações da Palavra, músicas e tradições populares,
Porto, Livraria A. I, 2ª edição, 1987. Todavia, este é um livro de fé, escrito para
homens de fé. Porém, a respeito da poesia religiosa, composta por homens da literatura,
surgiram já diversas antologias, desde as de Carolina Michaelis, Augusto C. Pires
de Lima, José Régio e Alberto Serpa e, nelas, abundam textos sobre o Natal. Por natureza,
a poesia portuguesa prefere o tom lírico, sentimental, bucólico mesmo, virado para
o natural humano e sensível, com arroubos de grande elevação mística, mas sem composições
a puxar à doutrina, à teologia ou à metafísica. Talvez até, seja a poesia popular
aquela que, na sua simplicidade e ardor da fé, mais se eleva às alturas da revelação
bíblica, enquanto a poesia moderna e contemporânea se prende mais à dimensão humanista,
com recriminações mesmo de carácter social. De facto, nenhum grande escritor ou poeta
escapou ao fascínio deste acontecimento da história humano-divina, em que a criança
e o adulto, o homem e a mulher, o pobre e o rico, o servo e o senhor encontram sempre
qualquer coisa, que, aos humanos, faz descobrir o valor divino do humano, o encanto
e a beleza da criatura feita à imagem de Deus. Em larga teoria, aí aparecem cantigas,
éclogas, loas, madrigais, trovas, vilancetes e vilancicos, sonetos, odes, poemas,
autos. Tanto são os poetas trovadores da Idade Média, como os poetas do período
clássico: Sá de Miranda, Gil Vicente, Camões, o religioso e místico Fr. Agostinho
da Cruz. E que dizer dos autos ou representações de Gil Vicente, quer fosse o “Auto
da Fé”, quer fosse a “Mofina Mendes”, onde, para além do divertir, era permanente
a preocupação da educação na fé e a crítica de costumes? Na Idade Moderna, mais
humanista, democrática e laica, abundam as poesias do engenhoso e gongórico Frei Jerónimo
Baía, do boémio Bocage, do metafísico Antero de Quental, do pensador Herculano, do
janota Almeida Garrett, todo o livro da “História de Jesus” do saudosista Gomes Leal,
do simples e enternecedor João de Deus, do dolente António Nobre, do franciscano Guerra
Junqueiro, do terno António Feijó. Na Idade Contemporânea, emparelham homens de
grande fé e devoção, como António Sardinha, António Correia de Oliveira, Augusto Gil,
Afonso Lopes Vieira, Frei Bernardo de Vasconcelos, Armando Cortes-Rodrigues, Américo
Cortez Pinto, Américo Durão, Sebastião da Gama, Pe. Moreira das Neves, mas também
uma longa série de escritores laicos e mesmo descrentes, a quem a fé dos antepassados
e as tradições dos concidadãos fizeram despertar a nostalgia humanizante e contagiante
da religião, sobretudo nesta quadra em que avultam os valores da família, da amizade
e da sociabilidade: Fernando Pessoa, José Régio, David Mourão Ferreira, Miguel Torga
e muitos outros, homens e mulheres tocados pelo carisma da poesia. Como resumo
e amostra desta produção religiosa, podem ler-se alguns trechos do livro de António
de Azevedo Pires – Poesia e Teologia. Poetas de língua portuguesa, I, 1973. Embora
de forma rápida, ficaremos a conhecer e apreciaremos trechos da nossa literatura relativos
à Natividade de Jesus, ao amor e à família, que a todos dão o aconchego e o sentido
duma vida humana assumida com dignidade. “O Menino que nasceu Da Virgem cheia
de graça, Entrou e saiu por ela, Como sol pela vidraça”! Geraldo J. A.
Coelho Dias, OSB Prof. da Faculdade de Letras - Porto ( Em Ecclesia )