2007-12-17 13:25:12

A Maternidade de Maria na Pintura


(17/12/2007) A Maternidade de Maria será, porventura, um dos temas que, desde há muitos séculos, maior interesse desperta entre os comitentes, os artistas e, naturalmente, entre a generalidade dos fiéis. Com efeito, o Nascimento do Menino, o Deus feito Homem, celebrado na festa natalícia de 25 de Dezembro desde o século V, no Ocidente, apesar da escassa referência textual no Evangelho de Lucas (2,7), conheceria uma elaborada iconografia e um considerável desdobramento de episódios.
Em primeiro lugar, graças aos Evangelhos Apócrifos e à piedade popular, tornou-se possível a montagem de um cenário – uma gruta com a manjedoura – assim como acrescentar diversos figurantes, animais – o boi e o jumento – e humanos – as duas parteiras, que, neste caso, acabarão por desaparecer, em face de uma renovada visão da Natividade, a partir do final da Idade Média.
A narrativa e os diversos circunstancialismos dos episódios seriam igualmente muito desenvolvidos e diversamente representados, tanto na Cristandade Oriental como na Ocidental. Os iconógrafos distinguem os chamados «prelúdios» do Nascimento (a viagem de Maria e José de Nazaré a Belém; a recusa de alojamento nesta última localidade), da Natividade propriamente dita e das duas Adorações que se seguem (a dos Pastores e a dos Magos).
A maior modificação iconográfica verificou-se no tratamento da cena da Natividade. Até ao século XIV, por influência da Arte Bizantina, que, por sua vez, a recebera da Síria, Maria surge representada deitada, como uma parturiente, tendo o Menino, enfeixado, ao seu lado, amamentando-o em certos casos. Posteriormente, os teólogos e os artistas vão preferir uma representação mais conforme à visão mística de Santa Brígida da Suécia, que figura Maria, de joelhos, em pose de adoração, diante de uma aparição do Menino nu e irradiando luz (a «Luz do Mundo»). Enquanto José, surpreso, procura iluminar a cena ou se prepara para adorar o Menino, os Anjos cantam Glória a Deus. A pintura do Renascimento, tanto na Itália como a Norte dos Alpes, vai consagrar e difundir esta fórmula, em cenários de grande beleza plástica, povoados de referências simbólicas: as ruínas da Era Ante Gratia, que acabava de terminar; a coluna truncada que simboliza o Novo Adão que devolveu à Humanidade a promessa da Salvação; a fonte da Água da Vida, entre outros.
Os dois episódios seguintes, centrados na Adoração do Menino pelos Humildes e pelos Poderosos do Mundo, os Pastores e os Reis Magos, respectivamente, complementam o Ciclo da Natividade, que ainda contempla, nos grandes ciclos narrativos, na iluminura, em frescos ou em retábulos, a Circuncisão e imposição do Nome (oitava do Natal, dia de Ano Novo), assim como a Apresentação no Templo ou Purificação da Virgem ou Festa da Candelária (quarenta dias após o Nascimento, celebrada a 2 de Fevereiro).
Encontram-se nos museus ou ainda in situ nos templos numerosas representações pictóricas de todos estes episódios a partir do século XV, realizadas pelos maiores pintores das Escolas Italiana, Flamenga, Espanhola, Francesa ou Portuguesa. Num dos mais interessantes retábulos portugueses dos inícios do século XVI, o da Madre de Deus, hoje no Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa, um dos mais belos painéis representa a Adoração dos Pastores, em que a truculência das oferendas e o ar «tisnado» dos humildes nos evoca o contemporâneo teatro de Mestre Gil Vicente. Num outro painel, o da Adoração dos Magos, sobressaem as vestes opulentas dos Reis e os valiosos vasos de ourivesaria em que oferecem o ouro, o incenso e a mirra, reminiscências da ostentação manuelina, tanto na vida de corte como na arte sacra.
A Maternidade de Maria está também presente nas muito apreciadas representações da Madona com o Menino, desde as representações hieráticas da Alta Idade Média, em que Maria, coroada, entronizada ou de pé, apresenta o Divino Infante ao colo, passando pelas Virgens de Ternura das Escolas Bizantina e de Siena, até às Virgens do Leite e às inúmeras Madonas do Renascimento Flamengo e Italiano, imortalizadas por Van Eyck, Memling, Botticelli, Leonardo ou Rafael.
Fernando António Baptista Pereira,
Professor Universitário
( Em Ecclesia )







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