Igreja e eutanásia: os contornos de uma questão delicada e mal interpretada
(30/10/2007) Ciclicamente agita-se, nos meios de comunicação social, a questão da
eutanásia e sempre se torna necessário esclarecer as consciências dos cristãos sobre
o que verdadeiramente está em causa.
Eutanásia é a morte deliberada e intencional
de uma pessoa, a seu pedido, pela outra pessoa que recebe e acolhe o pedido. Se não
há pedido não há eutanásia, há um homicídio comum. Se há pedido há também um homicídio,
mas em resposta a uma vontade expressa pela pessoa que é assassinada. Quando a
pessoa está doente e solicita ao seu médico que a mate este não pode acolher este
pedido, porque não é sua função matar o seu doente. Mas deve imediatamente acolher
com respeito este pedido e dar a maior atenção aos motivos que levam aquele doente
a desejar ser morto em vez de desejar viver. Podem ser dores, e então a obrigação
do médico é tratar as dores e hoje não há dores intratáveis. O doente sem dores não
solicita a eutanásia. Pode ser um sofrimento difícil de suportar. Então o médico
com a ajuda do enfermeiro e de outros profissionais, designadamente psicólogos clínicos,
porá à disposição do seu doente em desespero, todos os meios que permitem tornar suportável
o sofrimento. Pode ser um sentimento de esgotamento de qualquer projecto de vida
que faz com que a pessoa, em dificuldades, prefira morrer a viver. Também este estado
psicológico é susceptível de tratamento que consegue reconstruir a vontade de viver.
Por vezes o doente chega a estes estados por cuidados médicos a mais ou por cuidados
médicos a menos. Por obstinação terapêutica, em situações que já atingiram a fase
da incurabilidade e estes cuidados a mais, desproporcionados, geram um grande sofrimento.
A pessoa tem o direito de os recusar e de viver o seu período terminal em paz. Pode
não estar bem tratada, em especial das dores e do sofrimento e estes cuidados a menos
criam estados de desespero e motivam pedidos de eutanásia. A pessoa tem direito a
exigir que lhe seja prestado o tratamento próprio da fase terminal, que é o cuidado
paliativo. O cuidado paliativo é um cuidado especializado prestado por uma equipe
de profissionais competentes nas várias disciplinas que o compõem. Pode ocorrer em
unidades próprias, em áreas de hospitais de cuidados gerais ou no domicílio. A
evidência, onde existe o cuidado paliativo, é que o doente que está acolhido e tratado
de todas as perturbações, físicas, psicológicas e espirituais que ocorrem na fase
terminal da vida, não pensa em eutanásia, nem a pede nunca, porque compreendeu que
a eutanásia não é a solução. Para a Igreja Católica é esta a solução e já vão
aparecendo unidades inspiradas por instituições com ligação à Igreja Católica. É preciso
que se criem muitas mais e que a Igreja contribua para a formação do pessoal especializado
necessário. No cuidado paliativo não há lugar para a recusa de cuidados extraordinários
ou desproporcionados, que a doutrina católica, desde Pio XII, sempre reprovou, porque
o cuidado paliativo não acelera nem atrasa o processo de morrer. O doente é acompanhado
constantemente e todas as intercorrências são tratadas, sempre, com competência técnica
e em tempo útil. Mas sem nenhuma orientação intensivista e de suporte artificial de
funções vitais quando já só produz sofrimento e em nada beneficia o doente. Só é feito
o que contribui para manter o bem-estar da pessoa até ao momento final. No cuidado
paliativo o processo de morrer é re-socializado, com um lugar importante à família
e aos amigos que também são objecto do cuidado paliativo e são por isso participantes
na criação de um estado de permanente bem-estar para a pessoa. Uma pessoa que
é “depositada” numa cama de hospital para morrer no maior abandono e esquecida dos
cuidadores ou submetida a intervenções intensivas e inúteis, essa é candidata a pedir
a eutanásia. Mas a eutanásia não é, nunca, a solução. Em vez de proclamar que
a eutanásia deve ser proibida ou permitida, a posição da Igreja é a de que ninguém
esteja nunca em situação de pensar que a eutanásia é a solução para o seu desespero.
Dizer que se mata por compaixão é, de facto, matar a compaixão.