2007-10-29 14:02:41

Em vésperas da “visita ad limina” dos Bispos portugueses, a Rádio Vaticano entrevistou o Presidente da Conferencia Episcopal, D. Jorge Ortiga



(29/10/2007) Em vésperas da visita ad limina dos Bispos Portugueses, o Presidente da Conferencia Episcopal D. Jorge Ortiga concedeu uma entrevista á Rádio Vaticano, recolhida pelo nosso correspondente em Portugal Domingos Pinto que a seguir transcrevemos integralmente:
JO – Eu começarei talvez por sintetizar os diversos momentos da visita “ad limina”, na medida em que cada um desses momentos manifestam alguma expectativa. Em primeiro lugar, parece-me que a visita ad limina é uma oportunidade para cada diocese fazer um exame de consciência sobre o seu ser Igreja e do seu agir. O ser Igreja como comunhão, aquilo que nós hoje dizemos casa e escola de comunhão, e o agir em termos de um assumir convincente a sua missão – catequese, a própria liturgia, acção sócio-caritativa. Por outro lado, é uma experiência também de comunhão com o Papa e com a Santa Sé, que para todos se torna – penso eu – a experiência visível de uma corresponsabilidade e consequentemente da catolicidade. É este sentir-se não só e não apenas Igreja particular, mas também Igreja universal. Por outro lado, é uma peregrinação aos túmulos de Pedro e Paulo – é isso o que quer dizer “limina” – e isso de fazer esta peregrinação aos túmulos significa encontrar-se com homens frágeis, porventura algumas vezes até infiéis, mas com muita coragem, e sobretudo com a coragem do martírio, que tornou a sua vida um testemunho. Ora a visita ad limina como um exame de consciência, oportunidade para rectificar porventura algumas deficiências no nosso ser e agir Igreja, intensificar esta nossa comunhão com o Papa, e ganhar um entusiasmo novo, no sentido da missionação.

RV – Senhor D. Jorge Ortiga, falou há pouco nessa intenção de provavelmente também rectificar algumas coisas que talvez não estejam a correr tão bem… Sobre a situação da Igreja em Portugal, há aspectos que importa reter: a baixa do número de sacerdotes, a baixa do número de seminaristas, a baixa da prática dominical. Esses aspectos preocupam-no?

JO – Sem dúvida. Digamos, eu acho que nós hoje deparamo-nos com algumas preocupações. Uma é essa: uma consciencialização da diminuição da prática religiosa; a incoerência por parte dos nossos cristãos, ou seja esta ruptura entre a fé e a vida, e este tomar de posições, em determinados momentos, em contraste com a própria fé; menos vocações sacerdotais e religiosas; um laicismo que nos rodeia mas também está permeando também um pouco a vida da própria Igreja; e, mais talvez do que o próprio laicismo, um relativismo que condiciona muito a vida concreta de testemunho de fé. Eu penso que isto são algumas preocupações, mas não podemos ficara apenas nisso. Temos que olhar também para as alegrias e para os aspectos positivos, porque nós hoje verificamos uma maior consciência de pertença à Igreja: aqueles cristãos que o são manifestam-no também. Encontra-se também um sentido de corresponsabilidade muito maior, em alguns casos até muito intenso; uma vivência sacramental… pois se alguns se afastam, há uma vivência sacramental muito mais profunda; um compromisso com o social; hoje em qualquer Igreja particular encontramos homens e mulheres comprometidos na transformação deste mundo; uma grande preocupação por se aproximar da Palavra de Deus, acolhendo-a, meditando-a, e pondo-a em prática, e depois, consequentemente, anunciando-a, quer na catequese, naquilo que nós podemos chamar a formação básica, quer em tantos outros momentos numa procura de aprofundar as razões da própria fé. Há aqui uma mistura de elementos positivos e negativos, que me apetece poder dizer que com certeza teremos que dar graças a Deus e retemperar energias e forças para prosseguir a nossa caminhada.

RV – Senhor D. Jorge, desde o ano 2000, foram doze as dioceses que passaram a contar com um novo bispo. Isso ajudou a mudar um pouco a pastoral, em termos globais?

JO – É natural que sim. Eu penso poder dizer que a comunhão entre os bispos portugueses é uma comunhão na verdade muito verdadeira e muito sincera. Todos nós, hoje, temos oportunidade de contactar com outras Conferências Episcopais, e não nos vamos comparar, mas não direi também que a nossa Conferência Episcopal é uma Conferência de uma concordância, digamos, inicial, assim como que todos de acordo. Há uma liberdade muito grande de cada um se expressar, e de manifestar, com a diferença dos seus pensamentos, uma riqueza muito maior, mas eu penso que testemunhamos efectivamente uma unidade muito grande no concreto e na vida do dia a dia.

RV – A nova Concordata foi assinada em 2004. Que alterações importantes merecem relevo, na sequência dessa assinatura, e, já agora, ao nível da Lei da liberdade religiosa?

JO – Evidentemente. Isso é uma das preocupações que continuamos naturalmente a ter, e esperamos – digamos – que a comissão bilateral efectivamente funcione. Estamos também numa atitude de expectativa em relação à regulamentação de diversos aspectos que são fundamentais: tipo, da nossa Educação Moral e Religiosa Católica – da presença da Igreja nas escolas; a acção social da Igreja, que tem também uma relação muito profunda com o Estado, e necessita de uma regulamentação certa, para que todos saibam o que agir e como agir; a questão da segurança social do clero. Há muitas coisas que naturalmente neste momento ainda nos preocupam e nos inquietam, e teremos que continuar a nossa caminhada, reflectindo. Eu direi que estamos a viver um momento de esperança, mas uma esperança que não tem encontrado ainda muitas respostas positivas. Esperamos que elas comecem a aparecer, de tal maneira que possamos dizer que a Concordata valeu a pena ser assinada, e que não só a Lei da liberdade religiosa. Queremos a liberdade religiosa, mas dentro de um princípio – é já um lugar comum dizer-se – da igualdade de todo e qualquer cidadão, teremos que admitir também o princípio da proporcionalidade, ou seja, aquilo que é diferente tem que ser considerado também de uma maneira diferente. E, quer queiramos quer não, em Portugal a maioria da população confessa-se católica.

RV – Mas seja como for, o princípio da cooperação, que está subjacente à nova Concordata, de certa maneira não está posto em prática uma vez que há problemas no terreno… De resto, esta visita ad limina coincide com um momento em que as relações entre a Igreja e Estado estão um pouco tensas.

JO – Eu não direi que estão tensas. Eu acho que, na minha maneira de ver, na minha perspectiva, neste momento, assim o quero acreditar, pode ser que daqui a algum tempo tenha que dizer o contrário, eu direi que neste momento há um trabalho que está a ser efectuado. Talvez se tenha adormecido nestes dois, três últimos anos passados, talvez nós, esperando, agora neste último ano tivemos que intervir de uma maneira um pouco mais… porventura um pouco mais consciente, agora estamos numa atitude de esperança, e aquilo que nos têm dito creio que não são só promessas, mas que se está a trabalhar, a nível dos diversos ministérios. Portanto, creio que é hora de esperança, e com certeza que teremos, dentro de pouco tempo, uma definição de estratégias e de maneiras de agir e de trabalhar.

RV – Mas pressente-se, e os bispos têm dito isso em público, uma onda laicista que tende a remeter a religião para a esfera do privado?

JO – Evidentemente, isso é claro, ninguém ignora que neste nosso país, de maioria cristã, há uma minoria, sei lá, totalmente possuída por um laicismo, às vezes feroz, outras vezes mais camuflado, que está a exercer toda uma pressão e a condicionar muitas decisões. E eu penso que o próprio governo tem de ter esperança, deve ser superior a essas pressões, para respeitar a liberdade de todo e qualquer cidadão, mas ao mesmo tempo, sem privilégios, mas que a Igreja possa cooperar, porque é isso mesmo que a Concordata estipula no Preâmbulo.

RV – Em relação a temas considerados fracturantes da sociedade portuguesa, como foi o caso da liberalização do aborto, teme agora – de resto é uma consequência da mutação cultural na sociedade portuguesa – teme agora outros desafios, como por exemplo a legalização da eutanásia ou mesmo a adopção de crianças por homossexuais?

JO – Por enquanto não queria acreditar nisso, mas com certeza, se tivermos que descer, digamos, ao terreno, para lutar pelas nossas causas, com certeza que o faremos. Agora que pensemos que em algumas ocasiões os resultados serão muito positivos… iremos ver. Agora a nossa verdade, a verdade que não nos parece que é nossa, a liberdade de um humanismo autêntico e verdadeiro, pois iremos defendê-la, e porventura denunciá-la também, nas situações que acharmos mais convenientes.

RV – Senhor D. Jorge Ortiga, apenas duas questões. Uma: depois dos noventa anos das aparições, estas comemorações - que mexeram, e de que maneira, com o país - pensam os bispos aproveitar esta visita para, enfim, de certa maneira, entre aspas, influenciar o Papa a incluir na sua agenda, já do próximo ano, uma visita a Portugal?

JO – Eu creio que nós não poderemos influenciar o Papa para vir a Fátima. Ele sabe do nosso desejo, sabe como Portugal tem um amor muito grande ao Papa, a este como a todos os outros. Portugal cresceu considerando-se a si próprio como uma “nação fidelíssima” - e este “fidelíssima” era à doutrina, mas era também à pessoa do Papa - portanto, se o Santo Padre se sentir interpelado por Deus para vir a Fátima, pois com certeza que concretizará isso que é um sonho, que é um desejo de todos os portugueses. Se nós tivermos oportunidade de falar desse assunto, pois não deixaremos de o abordar. Agora que levemos isso como preocupação, ou como base, um ponto da agenda, penso que não é o caso.

RV – Uma outra questão que parece um pouco adormecida é a criação de uma nova Província eclesiástica - falou-se aqui há uns tempos - no centro do país. É uma necessidade? O problema coloca-se, ou não?

JO – Ora bem. Penso que é uma questão que já foi equacionada variadíssimas vezes, no sentido da criação de novas dioceses. Se se chegar à conclusão de que é necessário criar novas dioceses, provavelmente será necessária também a criação de uma nova Província. É provável que o assunto, na Congregação dos Bispos, também surja. Se surgir, com certeza que será equacionada, teremos a oportunidade também de manifestar o nosso pensar, e veremos também o que a Santa Sé nos dirá. Mas não é uma questão que vá na agenda, mas eu penso que todos estes nossos contactos com as Congregações, e mesmo com o Papa… pois, atrás, eu falava como momentos de comunhão, são comunhão muito familiar, muito íntima… Evidentemente que a visita está a ser preparada, com certeza, mas não temos pontos de agenda a significar exigências ou propostas nesta área ou naquela.

RV – O que é que espera deste encontro com o Papa?

JO – Espero que efectivamente para nós, bispos em Portugal, seja mais um momento, uma experiência forte de comunhão. Uma comunhão que - como o Papa Bento XVI diz - que seja um visibilizar o amor de Deus, este amor de Deus trinitário neste mundo, em Portugal, de tal maneira que o povo português, vendo como os cristãos se amam entre si e se comprometem e trabalham pelo bem comum, acreditem em Cristo, e acreditando em Cristo, reconheçam também o papel, não apenas histórico, da Igreja, mas o papel que ela tem ainda no presente, para bem da sociedade.








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