"Conversão, emenda de vida, deixar de pecar, reparar a Deus ofendido no irmão. Isto
é Fátima": cardeal Bertone na homilia da Missa de 13 de Outubro
90 ANOS DA ÚLTIMA APARIÇÃO DE NOSSA SENHORA (13 de Outubro de 2007)
Texto
integral da Homilia do cardeal Tarcisio Bertone, Enviado papal
Venerados Irmãos
no Episcopado e no Sacerdócio, Amados Irmãos e Irmãs no Senhor!
Quando Isabel
ouviu a saudação de Maria, o menino exultou-lhe no seio advertindo-a da chegada do
Emanuel esperado; então, cheia do Espírito Santo, ela exclama: «Donde me é dado que
venha ter comigo a Mãe do meu Senhor?» (Lc 1, 43). A mesma exclamação se eleva hoje
desta assembleia à vista dos sinais de misericórdia que Deus Se dignou conceder a
indivíduos, povos e nações, ao longo dos últimos 90 [noventa] anos, pela mediação
da Mãe da Misericórdia aqui manifestada como Nossa Senhora do Rosário. Conta-se
que, em Fevereiro de 1918 [mil novecentos e dezoito], se encontraram na Câmara Eclesiástica
do Patriarcado de Lisboa alguns sacerdotes e um jornalista católico, o qual criticara
a exposição ali feita por um dos sacerdotes sobre o chamado «milagre do sol» no céu
de Fátima quatro meses antes. Nisto apareceu uma veneranda figura sacerdotal do tempo,
o Padre Cruz, a quem o jornalista, depois de lhe beijar a mão, perguntou em tom irónico:
«Também viu bailar o sol no dia 13 [treze] de Outubro?». «Não – respondeu o Servo
de Deus –, não vi o sol bailar em Fátima; não estava lá. Mas digo-lhe: Tenho enxugado
tantas lágrimas a bailarem nos olhos (que é como quem diz no sol) de tantas dezenas
de pecadores arrependidos sob o impulso do milagre de Fátima, que não me custa acreditar
que o sol tenha bailado. Pois, à semelhança do que Nosso Senhor ensinou quando disse
ser mais fácil um camelo entrar pelo fundo duma agulha do que um rico converter-se,
também afirmarei que é mais fácil o sol ter bailado do que tantos e tantos pecadores
se haverem convertido sem uma causa sobrenatural que os movesse». Pois bem, estes
sinais de Deus – reconhecidos e interpretados por quem de direito – não cessaram de
multiplicar-se ao longo destas 9 [nove] dezenas de anos; não último deles, a partida
para a Glória do Servo de Deus João Paulo II [segundo] rodeado duma multidão incalculável
e com todos no coração enquanto repete para a Mãe de Misericórdia: «Totus tuus… Eu
sou todo vosso, ó minha Rainha e minha Mãe, e tudo quanto tenho vos pertence». Hoje,
tomados pela maravilha de quantos os viveram e sustentados pela esperança acesa nos
corações simples e humildes de quem, à sua vista, acreditara, não podemos deixar de
exclamar, num misto de gratidão e confusão: «Donde me é dado que venha ter comigo
a Mãe do meu Senhor?» E, se veio ter comigo, manda a boa educação perguntar-lhe:
«Que é que Vossemecê me quer? – “É preciso que se emendem, que peçam perdão dos seus
pecados” e Ela, tomando um aspecto mais triste, acrescenta: “Não ofendam mais a Deus
Nosso Senhor, que já está muito ofendido”» (aparição de 13 de Outubro de 1917). Isto
é Fátima, amados irmãos e irmãs: conversão, emenda de vida, deixar de pecar, reparar
a Deus ofendido no irmão. Isto é Fátima; não os sinais, ou pelo menos são secundários:
passam para deixar lugar ao que significam, isto é, à vida nova de ressuscitados.
Por isso, seria insensato continuar indefinidamente a pedir sinais, sem os discernir
nem lhes dar crédito; sobre nós, penderia a censura do divino Mestre: «Esta geração
perversa e infiel pretende um sinal, mas nenhum sinal lhe será dado, senão o sinal
do profeta Jonas. Assim como Jonas esteve três dias e três noites no ventre da baleia,
assim o Filho do Homem estará três dias e três noites no seio da terra» (Mt 12, 39-40).
O sinal de Deus é a ressurreição de Cristo e nossa: de facto, como ouvimos há pouco
na segunda leitura, «a nós, que estávamos mortos por causa dos nossos pecados, [Deus]
restituiu-nos à vida com Cristo (…) e com Ele nos ressuscitou» (Ef 2, 5-6). Por isso,
«eis o que vos digo e aconselho em nome do Senhor: (…) Deixai-vos renovar no mais
íntimo do vosso espírito, adquirindo os hábitos do homem novo criado à imagem de Deus
na justiça e santidade verdadeiras» (Ef 4, 17.23-24). Como o Beato Francisco, como
a Beata Jacinta… como tantas e tantos outros que se entregaram ao Imaculado Coração
de Maria, refúgio e caminho que conduz até Deus. Com efeito, aqui Nossa Senhora
não pediu para ser admirada, invocada, venerada… Quis gente «entregue»; pediu que
os corações dos indivíduos, das nações e da humanidade inteira Lhe fossem «consagrados».
Aqui desfraldou a sua bandeira que é um símbolo e um programa: o seu Coração Imaculado.
Aqui se manifestou o Coração da mais doce das mães, pedindo a todos que unam o seu
coração ao d'Ela, para darem ao mundo Jesus Cristo Salvador. E, acolhendo o seu convite,
por toda a parte se formaram grupos e comunidades que despertaram da apatia de ontem
e se esforçam por mostrar agora, ao mundo, o verdadeiro rosto do cristianismo. No
Oriente e no Ocidente, o amor do Coração de Maria conquistou um lugar no coração dos
povos e dá-lhes esperança e consolação. Irmãos e irmãs, vós sois as primícias dessa
grande seara aqui hoje consagrada no altar. Quando estendo o meu olhar por esta imensa
assembleia à procura dos seus confins, parece-me vislumbrá-los naquela nuvenzinha
de Elias (cf. 1 Re 18, 44) que se realizou cabalmente na humilde Jovem de Nazaré,
Maria, cheia de graça, cheia de Deus. Foi por obra e graça do Espírito Santo que Ela
gerou o Filho do Pai eterno e, por missão recebida na Cruz, Se tornou mãe de todos
os redimidos; estes lembram incontáveis gotinhas de água que – atravessadas pela Luz
de Cristo e, por Ele, atraídas e agregadas –, formam hoje a coluna de nuvem luminosa
de Deus à cabeça da humanidade na sua travessia da história (cf. Ex 40, 38). Povo
da Páscoa pelas sendas do mundo, confessamos com Maria que «a misericórdia [de Deus]
se estende de geração em geração sobre aqueles que O temem» (Lc 2, 50), multiplicando
os semeadores da esperança e os construtores do Reino de Deus. E tais sois vós,
sacerdotes, cuja ordenação vos concede o poder de dispensar os dons da salvação; vós,
consagrados, cujos votos fazem de vós testemunhas privilegiadas do único necessário;
vós, fiéis leigos, de cujo seio jorram rios de água viva santificando o mundo nos
vossos lares, no vosso trabalho e na sociedade inteira. Queridos peregrinos de Fátima,
com grande alegria vos transmito a saudação que Sua Santidade Bento XVI [dezasseis]
me confiou para todos vós, a começar pelo Bispo desta amada diocese de Leiria-Fátima,
o Senhor Dom Antonio Marto, e terminar nos irmãos e irmãs doentes, que se encontram
aqui ou estão unidos connosco pela rádio e a televisão, e cujas intenções são objecto
particular das preces diárias do Santo Padre: Como sabem, Deus salvou o mundo numa
cruz. O repouso, que não encontrou nos braços desta, deram-lho os braços de sua Mãe.
E, no coração da Mãe, brilharam os primeiros alvores da Páscoa. Jesus ressuscitado
sai ao encontro dos desanimados e diz: «Assim está escrito que deve ser. Toma a tua
cruz e segue-Me!» Numa carta datada de 4 [quatro] de Maio de 1943 [mil novecentos
e quarenta e três], a Irmã Lúcia escreve este «recadito de Nosso Senhor»: Ele «deseja
que se faça compreender às [pessoas] que a verdadeira penitência, que Ele agora quer
e exige, consiste antes de tudo no sacrifício que cada um tem de se impor para cumprir
com os próprios deveres religiosos e materiais» (Memórias e Cartas da Irmã Lúcia,
edição do P. António Maria Martins SJ, Porto 1973, pp. 447). Ora, já no Verão de
1916 [mil novecentos e dezasseis], o Anjo ensinara aos pastorinhos: «De tudo o que
puderdes, oferecei um sacrifício em acto de reparação pelos pecados com que [o Altíssimo]
é ofendido e de súplica pela conversão dos pecadores. (…) Sobretudo aceitai e suportai
com submissão o sofrimento que o Senhor vos enviar». Queridos peregrinos, sem negar
o valor dos sacrifícios e penitências voluntárias, sabei que a penitência de Fátima
é a aceitação submissa da vontade de Deus a nosso respeito, que se traduz nos nossos
deveres de estado. Alguém poderia observar: Mas, a fidelidade aos nossos deveres de
estado não é o mínimo que se nos pode exigir? Será possível que uma obrigação tão
elementar seja proposta como penitência suficiente, uma penitência salvadora, capaz
de afastar os males que incumbem sobre a humanidade? É possível, porque esta mobilização
dos deveres de estado diz respeito a toda a gente. E o Evangelho no-lo mostra: ainda
que nós fôssemos o servo com um único talento, isso não poderia servir de desculpa
para a inactividade (Mt 25, 24-30). Infelizmente, um grande número de pessoas imagina
que a vitória depende essencialmente do talento, da habilidade, do valor dos que escrevem
nos jornais, dos que falam nas reuniões, dos que têm um papel mais visível e que seria
suficiente animar e aplaudir estes chefes como se anima e aplaude os jogadores no
estádio. Não existe erro mais temível e desastroso! Se os soldados algum dia chegassem
a pensar que a vitória já não dependia deles mas somente do Estado Maior (com a desculpa
de que se compõe de hábeis generais), esse exército marcharia de desastre em desastre,
por muito maravilhosos que tivessem sido os planos de combate elaborados pelos seus
chefes. Para evitar tal desastre no que se refere ao renascimento do homem para uma
sociedade nova, o Céu exige o esforço, até o mais insignificante, dos servos mais
humildes, dos servos com um só talento. Assim, face aos pretensos senhores destes
tempos (acham-se no mundo da cultura e da arte, da economia e da política, da ciência
e da informação) que exigem e estão prontos a comprar, se não mesmo a impor, o silêncio
dos cristãos invocando imperativos de uma sociedade aberta, quando na verdade lhe
fecham todas as entradas e saídas para o Transcendente; e que, em nome de uma sociedade
tolerante e respeitosa, impõem como único valor comum a negação de todo e qualquer
valor real e permanente válido… Face a tais pretensões, o mínimo que podemos fazer
é rebelar-nos com a mesma audácia dos Apóstolos perante idêntica pretensão dos senhores
daquele tempo: «Não podemos calar o que vimos e ouvimos» (Act 4, 20)! E, se vos lançam
à cara erros passados ou presentes de alguns filhos da Igreja, peço-vos: fazei penitência
e reparai. Se vos acusam falsamente não poupando ofensas nem escárnios, peço-vos:
rezai pelos vossos perseguidores e perdoai. Profundamente convictos da solidariedade
da família humana, a tal ponto que dez justos na cidade de Sodoma tê-la-iam salvo
(cf. Gn 18, 32), conservai no pensamento e no coração uma inquebrantável fé no amor
misericordioso de Deus. O seu olhar pouse benévolo e propício sobre as vossas vidas,
confiadas à Virgem Mãe para maior glória da Santíssima Trindade. Amen.