Domingo dia do Senhor no duplo sentido de dom de Deus ao homem e de louvor do homem
a Deus. Bento XVI na homilia da Missa dominical na Catedral de Santo Estevão, em Viena,
recorda o convite de Jesus a criar oásis de amor desinteressado num mundo em que parece
contar só o poder e o dinheiro
(9/9/2007) Bento XVI que se encontra na Áustria aonde se deslocou para uma visita
de três dias por ocasião dos 850 anos do santuário mariano de Mariazzel, celebrou
a missa deste Domingo na Catedral de São Estêvão em Viena. Na homilia o Papa
deteve-se a comentar o Evangelho deste domingo, em que Jesus sublinha a radicalidade
com que há-de ser seguido. Um texto que pode “assustar” (reconheceu Bento XVI), pois
parece pedir uma renúncia total à família, ao amor humano, a todos os bens (quando,
por outro lado, sabemos que o Senhor chama a viver estas realidades). Antes de mais,
observou o Papa, é necessário advertir que Jesus não exige de todos a mesma coisa.
Cada um tem uma tarefa pessoal e está chamado a seguir o Senhor na forma projectada
para si. Neste texto do Evangelho, Jesus dirige-se antes de mais aos Doze, a caminho
de Jerusalém. Eles têm que superar o escândalo da Cruz, prontos a deixar mesmo tudo
aceitando ”a missão aparentemente absurda de ir até aos confins da terra e, com a
sua limitada cultura, anunciar a um mundo cheio de presumida erudição e de formação
autêntica ou fictícia - mas também e especialmente aos pobres e simples – o Evangelho
de Jesus Cristo. Têm que estar prontos, no seu caminho pela vastidão do mundo, a sofrer
em pessoa o martírio, para testemunhar o Evangelho do Senhor crucificado e ressuscitado”. Em
todo o caso (prosseguiu ainda o Papa), “embora esta palavra de Jesus seja dirigida
antes de mais aos Doze, a sua chamada diz naturalmente respeito, para além daquele
momento histórico, a todos os séculos”.
“Em todos os tempos Ele chama pessoas
a contarem exclusivamente sobre Ele, a deixarem tudo e a estarem totalmente à sua
disposição e a portanto também à disposição dos outros: a criarem oásis de amor desinteressado
num mundo em que tantas vezes parecem contar só o poder e o dinheiro”.
E
o Papa convidou a dar graças a Deus por tantos homens e mulheres que por seu amor
deixaram tudo - santos e santas como Bento e Escolástica, Francisco e Clara, Isabel
de Turíngia e Hedwiges da Silésia, Inácio de Loyola, Teresa de Ávila, Teresa de Calcutá
e Padre Pio. Pessoas que, “com toda a sua vida – sublinhou – “se tornaram uma interpretação
da palavra de Jesus, que neles se torna próxima e compreensiva para nós”.
Retomando
o texto evangélico, Bento XVI observou que, para além do sentido específico que a
vocação de Jesus assume para quem é chamado a uma especial missão e consagração, o
núcleo central do que Ele diz vale para todos, à luz daquela outra sua formulação
“Quem quiser salvar a própria vida, perdê-la-á, e quem perderá a própria vida, salvá-la-á.
Que interessa ao homem ganhar o mundo inteiro se depois se perde a si mesmo?”
“Quem
se limita a querer possuir a própria vida, vivê-la só para si mesmo, perdê-la-á. Só
quem se dá recebe a vida. Por outras palavras: só quem ama encontra a vida. E o amor
exige sempre que uma pessoa saia de si mesmo. Quem olha para trás procurando-se a
si mesmo, e quer ter o outro só para si, perde-se a si e perde o outro. Sem este profundo
perder-se a si mesmo, não há vida. A irrequieta preocupação de vida que hoje em dia
não deixa os homens em paz conduz ao vazio de uma vida perdida. O Senhor diz “Quem
perder a vida por mim”: deixarmo-nos radicalmente a nós mesmos só é possível se desse
modo não caímos no vazio, mas não mãos do Amor eterno. Só o amor de Deus, que se perdeu
a sim mesmo por nós, entregando-se por nós, torna possível que nos tornemos livres”.
Na parte final da sua homilia, Bento XVI retomou um aspecto a que já aludira
no início: a importância do Domingo como “dia do Senhor” no duplo sentido de dom de
Deus ao homem e de louvor do homem a Deus. E deplorou a perda do sentido do domingo:
“Nas
nossas sociedades ocidentais, o Domingo transformou-se em fim de semana, em tempo
livre. O tempo livre, especialmente na azáfama do mundo moderno, é certamente algo
de belo e de necessário. Mas se não tiver um centro interior, que anima o conjunto,
o tempo livre acaba por ser um tempo vazio que não nos revigora nem renova. O tempo
livre carece de um centro – o encontro com Aquele que é a nossa origem e a nossa meta”.
“É
precisamente porque ao domingo tem lugar o profundo encontro – na Palavra e no Sacramento
– com Cristo ressuscitado, que a irradiação deste dia abrange toda a realidade. Os
primeiros cristãos celebravam o primeiro dia da semana como Dia do Senhor, porque
era o dia da ressurreição. Mas bem cedo a Igreja tomou consciência também do facto
de o primeiro dia da semana ser o dia da manhã da criação… Na Igreja o Domingo é também
a festa da gratidão e da alegria pela criação de Deus”.
A concluir, uma
referência à Oração colecta deste domingo, em que se pede a Deus Pai, que “mediante
o Seu Filho, nos remiu e adoptou como filhos”, que nos olhe “com benevolência” e nos
dê “a verdadeira liberdade e a vida eterna”. “Invocamos um olhar de bondade da parte
de Deus.”
“Ser filho – sabia-o muito bem a comunidade primitiva – significa
ser uma pessoa livre, não um servo, mas alguém que pertence pessoalmente uma família.
E significa ser herdeiro. Se nós pertencemos àquele Deus que é o poder acima de todo
o poder, então não temos medo e somos livres. E somos herdeiro. A herança que Ele
nos deixou é Ele próprio, o seu Amor. Sim, Senhor, faz que esta consciência nos penetre
profundamente e assim aprendemos a alegria dos redimidos. Ámen”