2007-05-11 20:04:38

Desenvolvimento e pobreza em debate na Sé Catedral de Lisboa


(11/5/2007) Numa noite que juntou na Sé Patriarcal de Lisboa António Guterres, Isabel Jonet e José Luís Ramos Pinheiro, os argumentos centraram-se na atenção aos mais desfavorecidos.
A segunda conferência do programa «Ecce Homo», uma iniciativa do Departamento da Comunicação e da Cultura do Patriarcado de Lisboa, para assinalar os 40 anos da Encíclica Populorum Progressio, teve como tema central o «Bem».
Isabel Jonet, Presidente da Federação dos Bancos Alimentares, ao assinalar o aumento de pobres, “não só nos países em vias de desenvolvimento mas também nos países desenvolvidos”, propôs o exercício da caridade em vez da solidariedade
“Entendo que caridade é a solidariedade com amor pelo o outro, no exercício do bem, de forma desinteressada”, acrescentou. Sendo um caminho difícil “são visíveis alguns sinais de esperança”, caso da aceitação dos princípios sociais propostos pela Igreja, ou do facto de muitos países terem já reconhecido o direito de não ser pobre, como um dos direitos humanos. “A cidadania activa cresce em substituição da lógica da ajuda”.
As Nações Unidas inscreveram no seu programa no período de 1997 a 2006, a década para a erradicação da pobreza. “Não é possível saber se algum dia terão definitivamente erradicado as situações de pobreza, mas cada um de nós deve procurar, nos locais onde está inserido, fazer todos os esforços para pelo menos minorar os seus efeitos”, indicou a Presidente da Federação dos Bancos Alimentares.
Portugal é um dos países da Europa com maior taxa de pobreza. Cerca de 20% da população é pobre - 2 milhões de pessoas. “200 mil pessoas têm apenas uma refeição por dia, 35 mil não têm nenhuma”, indicou, acrescentando ainda que “uma sociedade que desperdiça muitas das suas riquezas e dos seus valores nos faz esquecer a importância de cada um e a forma como deve ser optimizado o bem comum”. “Ao desperdiçar um bem alimentar em bom estado, fazendo ele falta a algum ser humano, cometemos uma injustiça”.
Isabel Jonet considerou que a manutenção da pobreza persiste devido à “perda de valores que prolifera nas sociedades actuais. O individualismo impede o reconhecimento do valor dos mais fracos e as medidas sociais não terão qualquer resultado na erradicação da pobreza enquanto o homem não for o valor de referência do progresso económico”.
Recordando o exemplo do Banco Alimentar contra a fome, sublinhou o contributo de empresários e empresas preocupados com o bem comum, com a justiça social ao incorporam a responsabilidade social nas suas decisões. “O acompanhamento das situações e uma acção eficaz para lhes dar solução exige proximidade, afecto e calor humano. A acção do banco alimentar reside na dádiva, na partilha, no voluntariado”, lembrou.
A Encíclica Populorum Progressio foi caracterizada por António Guterres como a encíclica do desenvolvimento mas não apenas do desenvolvimento económico mas “do integral da pessoa humana, indicando o desenvolvimento como um novo nome da paz”. O Alto-comissário das Nações Unidas para os Refugiados apontou que este quadro só será real “se for assente na justiça, entre as pessoas, entre os estados, e agora, 40 anos depois, cada vez mais, entre as gerações”.
Uma paz que vá para além da justiça e do desenvolvimento “exige a tolerância, não no sentido da indiferença, mas no sentido de uma ante câmara de algo mais avançado, o amor”. Paz sem desenvolvimento justo, “será sempre uma paz precária” e a noção de bem que da Encíclica assenta “nos dois pilares do desenvolvimento como a justiça e a paz com tolerância”, acrescentou.
António Guterres reflectiu no optimismo que se viveu nos últimos 20 anos “onde se assistiu a uma evolução da sensibilidade”. Numa primeira fase, assistia-se à convicção de que a globalização se tornaria num factor não apenas de crescimento económico mas também de acesso de todos aos bens do progresso e da civilização. Proliferava a ideia de que a “evolução tecnológica permitiria dar a resposta a muitos dos problemas com que a sociedade se foi confrontando, nomeadamente de natureza ambiental e de solidariedade entre as gerações”. O optimismo que verificava, no quadro internacional, uma crescente consciência de que para além da soberania dos Estados, deveria ter-se em conta a soberania da pessoa humana, “o direito de ingerência humanitário tendo este servido de base a intervenções da comunidade internacional como no Kosovo, na Bósnia, ou a de Timor Leste”.
O Alto-comissário das Nações Unidas para os Refugiados recordou a ideia de que “os Estados não se podiam sobrepor às pessoas e que as pessoas mereciam uma intervenção a seu favor face ao arbítrio e à opressão dos próprios Estados”. “Quando o Estado não é capaz ou não quer, faz derivar para a comunidade internacional essa mesma responsabilidade de proteger, que nos levou a mobilizar a intervenção em Timor Leste e que era um novo factor extremamente importante de humanização das relações internacionais”, recordou.
Este optimismo que, inclusivamente António Guterres reconheceu partilhar na sua vida política nos anos 90, “acabou por dar origem a uma certa «ressaca», no início do milénio, sobretudo após o 11 de Setembro”.
“A globalização foi cada vez mais um factor de acentuar um fosso entre ricos e pobres, à escala de um país e também entre países à escala mundial”. Segundo os últimos relatórios do Banco Mundial, o número total de pessoas em pobreza absoluta - pessoas que vivem com menos de 1 dólar por dia - está a ser reduzido hoje em grande medida por causa do êxito dos processos de desenvolvimento.
“Mas este é um mero factor estatístico, pois se formos ao Continente Africano, é cada vez mais terrível a situação de uma larguíssima percentagem da população”, sublinhou António Guterres. Um mundo crescentemente injusto “que percebemos na primeira década do milénio”.
O sentimento de intolerância cresce, a justiça não progride, assistimos também à subjugação da pessoa humana “face à soberania dos Estados, sendo o Darfur o exemplo mais flagrante no nosso tempo presente”, indicou António Guterres.
“Na necessidade de pôr fim a este desnível de partilha da riqueza, de restaurar um clima de diálogo nas civilizações, de diálogo entre as comunidades e também de reafirmar a soberania da pessoa humana e dos seus direitos, creio que surgem muitas interpelações”.
Não é altura para pessimismos, mas “para estarmos determinados”, sendo que a acção de vários cidadãos “é de sublinhar”. “Bons exemplos que me fazem ter esperança nos valores da Encíclica e acreditar que esses valores poderão triunfar”.
A conferência terminou com um apontamento do Cardeal Patriarca de Lisboa afirmando que “é extremamente importante identificar o problema humana aqui descrito e os meios para lhes responder e bem administrar”.
D. José Policarpo apontou como missão da Igreja cultivar “o espírito com que o bem deve ser praticado”, e este deve ser com o espírito da “bondade. Todos os projectos ganham muito se forem realizados por homens e mulheres bons”. E terminou afirmando que quando “somos bons para os outros, somos nós próprios que nos transcendemos, e vemos para além da aparência do pobre”.
A última conferência do programa «Ecce Homo» tem encontro marcado para o noite de 24 de Maio.








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