Deus e a Igreja sob suspeita no Congresso Internacional sobre a Santissima Trindade
que decorre em Fátima
(10/5/2007) A revelação de «verdades» escondidas durante séculos pela Igreja e que
agora se colocam ao dispor de toda a humanidade é uma ideia que marca vários dos livros
e filmes lançados nos últimos anos, colocando sob suspeita a Igreja e o Deus em que
os cristãos acreditam. A teologia católica confronta-se, tal como no início do
Cristianismo, com correntes gnósticos, que colocam no centro deste movimento religioso
sincrético um conhecimento do mistério divino reservado aos iniciados. A valorização
do elemento feminino ou a apresentação de Deus como “um princípio divino, uma ideia,
um pensamento”, que se recolhe no inacessível, são marcas visíveis desse ressurgimento
do gnosticismo. Esta temática dominou a manhã desta Quinta-feira no Congresso
Internacional sobre a Santíssima Trindade, que está a decorrer em Fátima inserida
no programa celebrativo dos 90 anos das Aparições. Hans-Jochen Jaschke, Bispo
alemão, falou das “complexas correntes gnósticas” que entram em contradição e colocam
sob suspeita a Igreja, acusada de ter escondido textos e verdades. A vida Jesus na
Índia ou a sua relação com a Madalena e Judas dão azo a histórias criminalistas com
grande eco mediático e de marketing. “Nós, homens da Igreja, não oprimimos a fé
verdadeira”, assinalou D. Jaschke, frisando que a comunidade eclesial “é lugar para
tradição segura e verdadeira”. Para este especialista, a teologia católica fala
sempre do “Deus concreto, no homem, no seu filho Jesus, e no Espírito”. Neste contexto,
por exemplo, a divindade de Cristo não é uma “construção teológica” e a incarnação
continua a ser o maior “escândalo cristão”. Revisitando a teologia de Irineu de
Lyon, figura fundamental da oposição do Cristianismo nascente ao gnosticismo, D. Hans-Jochen
Jaschke falou da relação entre evolução e criação, observando que a teologia católica
pode oferecer respostas ao “porquê e para quê” do processo evolutivo. “O querer positivo
de Deus determina o processo do Cosmos, no jogo livre das suas forças”, disse, indicando
que, ao contrário do que acontece no gnosticismo, na Bíblia “o mundo é criado livremente
por Deus, não há dualismo básico”. O culto do conhecimento Real Tremblay,
professor de teologia em Roma e colaborador em várias instituições da Santa Sé, lembrou
que, nestes movimentos, há uma “importância central da gnosis, conhecimento, que suplanta
a relação”. Numa aproximação entre a antiga “gnose” e a moderna engenharia genética,
o teólogo canadiano alertou para a “omnipresença e omnipotência do conhecimento científico”,
que passa por um “culto do conhecimento” e pela “avidez do conhecimento, suportado
por meios técnicos cada vez mais sofisticados”. Reflectindo sobre qual o lugar
que o amor de Deus pode ter neste domínio, Tremblay citou Ireneu de Lyon, que defendia
o papel “edificador” deste amor. Para ilustrar esta convicção, o conferencista
lembrou um discurso de Bento XVI, em que o Papa deixava claro que “o amor de Deus
não faz diferença entre o que está no seio da sua mãe, a criança, o jovem, o idoso,
porque em cada um vê a marca da sua imagem e semelhança”. Fátima e a Trindade
Na abertura dos trabalhos, que decorreu ontem, D. António Marto deixou votos de
que Fátima se possa transformar num "lugar místico e mistagógico onde resplandeça
a beleza do rosto trinitário de Deus". O Bispo de Leiria-Fátima sublinhou que,
face à crise de Deus na cultura actual, o cristão tem de ser “místico”, experimentando
o mistério de Deus trinitário e a sua beleza. José Tolentino Mendonça apresentou
uma conferência relativa à Trindade “a partir do Evangelho de São João”, falando da
“possibilidade de narrar Deus” e de como se torna pensável “o impensável de Deus”.
A Revelação de Deus na vida de Jesus permite “ver o Pai” e o Espírito que “dá a vida”
é o “dom de Deus” (Jo 4,10). A comissão científica deste Congresso lembra que
“a revelação da mensagem de Fátima começa (aparições do Anjo) e termina (visão da
Santíssima Trindade) anunciando que Deus tem sobre a humanidade, dilacerada pelos
seus erros e pecados, desígnios de misericórdia”. O Congresso toma como epígrafe,
precisamente, a invocação inicial da oração que o Anjo ensinou aos Pastorinhos, “Santíssima
Trindade, Pai, Filho, Espírito Santo…”