Em entrevista á Rádio Vaticano o Cardeal Bertone fala sobre a viagem do Papa ao Brasil.
(8/5/2007) Bento XVI parte nesta quarta-feira para o Brasil, onde participar, no
próximo domingo, 13 de Maio, à abertura da V Assembleia Geral do Episcopado Latino-americano,
no santuário de Nossa Senhora Aparecida. Uma viagem que inclui também uma etapa de
dois dias em São Paulo. Entrevistado por Giovanni Peduto, o cardeal Tarcísio Bertone,
Secretário de Estado fala-nos desta viagem papal começando por explicar as razões
que levaram o Papa a empreendê-la.
R. - É do conhecimento de todos
que a ocasião imediata para a visita do Papa Bento XVI ao Brasil é a V Conferência
Geral do Episcopado da América Latina e do Caribe. É a primeira visita que o Papa,
o novo Papa, faz à América Latina. O Papa conhece bem o continente americano e, sobretudo,
o continente sul-americano, porque se encontrou com todos os bispos, diversas vezes,
por ocasião das visitas "ad Limina", no Vaticano; mas também porque participou de
reuniões na América Latina: por exemplo, em Guadalajara, em 1996, com os presidentes
e muitos bispos, representantes de todas as Comissões doutrinais da América Latina.
Trata-se, por isso, de um retorno àquela região do mundo, a esse grande país que é
o Brasil, que, entre outras coisas, é o país com o maior número de católicos, um retorno
do cardeal Ratzinger como Papa, para enfrentar os desafios e os problemas que o Terceiro
Milênio apresenta a esse grande continente cristão, profundamente cristão, que foi
chamado por João Paulo II como o "continente da esperança". (Um continente) que tem
peculiaridades justamente porque foi evangelizado, porque absorveu a linfa do cristianismo,
que permeou sua história, todas as suas estruturas e as suas atividades, ainda que
- infelizmente - o fermento evangélico não tenha ainda resolvido os problemas mais
cruciais desse continente, que são os problemas das desigualdades, da pobreza e -
às vezes - também da opressão. É, portanto, uma ocasião providencial para lançar uma
grande mensagem a todos os agentes, a todas as comunidades locais, às igrejas locais,
a todos os cristãos e aos homens de boa vontade, mas é também uma ocasião para relançar
um grande movimento de solidariedade, de promoção da justiça no continente latino-americano.
P.
– Como é que a Santa Sé vê o caminho da Igreja na América Latina?
R. -
A América Latina - como verificámos também recentemente no encontro de Fevereiro passado,
com todos os núncios apostólicos dos 22 países da América Latina e da América Central
- é um continente afligido por situações de uma dramaticidade assustadora. Estamos
falando da violência que aflige, sobretudo, as grandes metrópoles; do narcotráfico,
que se torna cada vez mais agressivo e potente; estamos falando do que classifiquei
de desigualdades sociais, que ainda não se conseguem superar; falamos ainda do problema
do desemprego, das emigrações, da deterioração da educação, que afecta a maior parte
dos jovens, que são a maioria dos habitantes e dos cidadãos dos países latino-americanos,
mas também do déficit de democracia representativa. Naturalmente, em todas essas situações,
a Igreja está presente, antes de tudo para consolidar o anúncio evangélico, mas também
para promover uma revolução humana, uma revolução de igualdade, de justiça e de paz,
de pacificação que faz parte do próprio DNA da missão da Igreja, que é ajudada e é
levada avante por todos os componentes do corpo eclesial: pelos bispos, pela hierarquia,
pelos leigos e pelas grandes Congregações religiosas, antigas e modernas, e pelos
movimentos e associações de leigos. Portanto, a Igreja vê também sinais positivos
nas comunidades locais da América Latina e vê um renovado crescimento também das vocações,
tanto para a vida sacerdotal como para a vida consagrada, e uma tomada de consciência
dos leigos, que deve ser sublinhada e, sobretudo, incrementada.
P. – O
documento preparatório para a V Conferência de Aparecida evidencia em numerosos pontos,
as situações de injustiça e de pobreza que afligem a América Latina - uma condição
que exige maior acção da parte dos católicos do continente. Que tipo de resposta se
pode esperar da V Conferência, sobre as questões sociais na América Latina?
R.
- Antes de mais temos no horizonte do empenho da Igreja uma matriz (digamos assim),
um programa de empenho social, que é dado pela doutrina social da Igreja, pelo Compêndio
da Doutrina Social da Igreja, divulgado em todo o mundo, que foi assumido, apresentado
e que vai sendo assimilado, sobretudo por parte dos leigos mais empenhados na vida
social e na vida política, assim como – naturalmente - por parte dos religiosos, religiosas,
padres e bispos. Temos, portanto, esta matriz que nos ilumina, que nos induz e que
é a doutrina social da Igreja. A V Conferência, com a capacidade de observação objectiva
dos fenómenos e das situações, vai naturalmente indicar - seguindo também as linhas
do magistério precedente, das outras Conferências que se realizaram (Puebla, Santo
Domingo, etc.) - as linhas mais concretas de acção. Todos os componentes do corpo
eclesial estão empenhados nas duas vertentes: na vertente da evangelização real e,
portanto, na consolidação da fé cristã, do conhecimento e da experiência cristã da
vida em Cristo; e na vertente da acção social e da promoção social. [… …]
P.
– Quais são, eminência, as suas expectativas em relação à Conferência de Aparecida? R.
- “Antes de tudo, um esforço e uma reafirmação da unidade eclesial nessa missão confiada
justamente à Igreja Católica na América Latina, unidade dos bispos e das Igrejas locais
entre si e unidade e comunhão com o Papa e, portanto, com o supremo pastor da Igreja
universal, que vai levar a sua palavra, a sua solidariedade e lançar as suas mensagens
que - como podemos ver nestes dois anos de pontificado - são tão incisivas e tão próximas
às pessoas e aos problemas reais das pessoas. Naturalmente, o Papa coloca e pretende
colocar no coração das pessoas, antes de tudo o amor apaixonado por Cristo, e espera
que os bispos e os pastores da Igreja, reunidos em Aparecida, coloquem, da mesma forma,
no coração das pessoas, antes de mais o amor apaixonado por Cristo, único e universal
Salvador do mundo. Portanto, o olhar a Cristo; a unidade entre eles, mas com Cristo
Salvador; e depois, o encontro com Cristo na Eucaristia, com a frequência à Missa,
sobretudo, à Missa dominical, fonte de todas aquelas energias que conduzem à caridade
e ao amor ao próximo… como o Papa tão bem explicou na sua Encíclica Deus Caritas Est.
Creio que essas duas linhas - a linha da atração e da unidade com Cristo, e a linha
operativa de ação caritativa, social e também política, dos membros da Igreja nas
sociedades em que vivem, como fermento das sociedade nas quais vivem - serão as duas
linhas-mestras que serão assumidas e relançadas justamente da V Conferência dos bispos
latino-americanos.
P. – A visita do Papa ao país com maior número de
católicos do mundo ficará também marcada pela canonização do primeiro santo brasileiro
(autóctone): Frei Galvão. Que significado tem, para a Igreja brasileira, esta canonização?
R.
- Frei Galvão é uma pessoa estupenda, esplêndida. É um verdadeiro brasileiro, que
estudou, primeiramente com os jesuítas, e depois se tornou franciscano e sacerdote;
ma foi também arquiteto, engenheiro e construiu um grande mosteiro que, entre outras
coisas, justamente por sua beleza, é considerado e declarado pelas Nações Unidas como
patrimônio cultural da humanidade. Desse mosteiro nasceram outros nove mosteiros,
que permearam a vida espiritual e social dos brasileiros. Trata-se, portanto, de um
homem-símbolo, símbolo dessa unidade, dessa simbiose entre uma profunda espiritualidade
e uma projeção de amor para com o próximo. Tanto é verdade que esse grande homem foi
definido e recordado como homem de paz e de caridade. Creio que ele seja um símbolo,
um verdadeiro modelo para o Brasil, mas também para toda a América Latina.