Uma meditação pessoal de Joseph Ratzinger: "Jesus de Nazaré" (primeiro de dois volumes).
Procura devolver valor histórico aos relatos evangélicos e critica teorias que destroem
a figura de Jesus. O livro chega a Portugal em Maio
(13/4/2007) O teólogo Joseph Ratzinger, hoje Bento XVI, apresenta com "Jesus de Nazaré"
a sua primeira obra escrita desde a sua eleição como Papa. O livro, hoje apresentado
no Vaticano, chega às livrarias (em italiano, alemão, polaco e grego) no dia 16 de
Abril, data de aniversário natalício do seu autor. Em Portugal, a obra é editada
pela Esfera dos Livros e chegará às bancas no próximo mês de Maio. As edições são,
neste momento, já mais de 20. O título simples não esconde décadas de trabalho,
apresentando, numa linguagem teológica narrativa, uma busca pessoal do "rosto do Senhor"
e procurando demonstrar a coincidência entre a dimensão religiosa e a dimensão histórica
de Cristo. Ao longo dos séculos, de forma mais ou menos espectacular, têm chegado
teorias muito diversas sobre a vida de Jesus, muitas vezes com a pretensão de serem
a "resposta definitiva" para as questões que se levantam. O Papa, neste livro, procura
responder às tendências do actual contexto cultural, que procuram distanciar o Jesus
da história do Cristo da fé, quase ignorando as respostas "institucionais" sobre a
figura central do Cristianismo. Os factos históricos, contudo, podem estar ao
serviço da fé. Ao longo de 10 capítulos, Bento XVI mostra-se atento aos dados da pesquisa
moderna sobre Jesus e apresenta o Jesus dos Evangelhos como o verdadeiro Jesus histórico,
"uma figura sensata e convincente a que podemos e devemos fazer referência com confiança
e sobre a qual temos motivos para apoiar a nossa fé e a nossa vida cristã". Este
livro é a primeira parte de uma obra cuja redacção, segundo o próprio autor, foi precedida
por um “longo caminho interior”. Corresponde a uma busca pessoal do “rosto do Senhor”
da parte de Joseph Ratzinger e não apresenta portanto como um documento do magistério.
Objectivo principal é “favorecer no leitor o crescimento de uma relação viva” com
Jesus Cristo”. Na segunda parte, a publicar num segundo momento, o Papa espera “poder
oferecer ainda um capítulo sobre as narrativas da infância” de Jesus e tratar o mistério
da sua paixão, morte e ressurreição. Trata-se, portanto, de um livro pastoral.
Em todo o caso, é a obra de um teólogo rigoroso, que justifica cada uma das suas afirmações
com base num amplíssimo conhecimento dos textos sagrados e da literatura crítica.
Considera indispensável para uma exegese séria o método histórico-crítico mas não
ignora os limites deste. Como escreve o Papa: “Acreditar que era precisamente como
homem que Jesus era Deus… vai para além das possibilidades do método histórico”. E
contudo “se não se radica em Deus, a pessoa de Jesus permanece esquiva, irreal e inexplicável”.
Joseph Ratzinger “considera Jesus a partir da sua comunhão com o Pai”. Ele considera
que no texto bíblico se encontram todos os elementos para afirmar que a personagem
histórica de Jesus é também efectivamente o Filho de Deus que veio à terra para salvar
a humanidade”
Baseando-se, logo no primeiro capítulo, na íntima unidade
entre o Antigo e o Novo Testamento, e valendo-se da hermenêutica cristológica que
vede em Jesus Cristo a chave de toda a Bíblia, Joseph Ratzinger apresenta o Jesus
dos Evangelhos como o “novo Moisés” que dá cumprimento às antigas expectativas de
Israel. Este novo e verdadeiro Moisés deve conduzir o povo de Deus à autêntica e definitiva
liberdade. A imersão de Jesus nas águas do Jordão (capítulo 2) é símbolo da sua
morte e da sua descida à morada dos mortos – uma realidade aliás presente em toda
a sua vida. Para salvar a humanidade, “Ele deve recapitular a história a partir dos
inícios”, vendendo as principais tentações que ameaçam, em formas diversas, os homens
de todos os tempos e, transformando-as em obediência, reabrir o caminho em direcção
a Deus, à verdadeira Terra da Promessa que é o “Reino de Deus” (capítulo 3). Através
da presença e actividade de Jesus, “Deus entrou na história de modo completamente
novo, aqui e agora, como Aquele que age”. Em Jesus, “Deus vem ao nosso encontro, e
reina de modo divino, isto é, sem poder mundano, com o Amor que vai até ao fim”. O
tema do “Reino de Deus”, que atravessa todo o anúncio de Jesus, é ulteriormente aprofundado
na reflexão sobre o “Sermão da montanha” (capítulo 4). É aí que Jesus aparece claramente
como o “novo Moisés” que leva a nova Torah, ou melhor, que retoma a Torah
de Moisés…, levando-a ao seu cumprimento. Esta Lei já não é só, como no caso de Moisés,
o resultado de um colóquio “face a face” com Deus, mas inclui em si a plenitude que
provém da íntima união de Jesus com o Pai. “Jesus entende-se a si mesmo como a Torah”.
“É este o ponto que exige uma decisão. É portanto o ponto que conduz à cruz e à ressurreição”.
O êxodo para a “Terra prometida”, para a verdadeira liberdade, requer o seguimento
de Cristo. O crente deve inserir-se na mesma comunhão do Filho com o Pai. Só assim
o homem se pode “realizar” plenamente. Elemento fundamental da vida do cristão é o
falar com Deus, escutá-lo. O que explica toda um capítulo dedicado à oração, explicando
o Pai nosso (capítulo 5).
O contacto profundo dos homens com Deus Pai
mediante Jesus, no Espírito Santo, recolhe-os numa nova família que, mediante a escolha
dos Doze, remete para as origens de Israel (os doze Patriarcas), ao mesmo tempo que
abre sobre o horizonte da nova Jerusalém, meta definitiva de toda a história. Embora
na sua composição bem heterogénea, a nova família de Jesus, a Igreja de todos os tempos
(capítulo 6), é em Jesus que encontra o seu centro unificador e a orientação para
viver o carácter universal do seu Evangelho. Para tornar mais acessível o conteúdo
da sua mensagem, fazendo-a tornando orientação prática, Jesus serve-se de parábolas.
Estas aproximam a realidade que Ele pretende comunicar – em última análise, trata-se
sempre do mesmo mistério – à compreensão de quem O escuta. Para além deste aspecto
humano, Joseph Ratzinger – numa análise de rara profundidade - fornece também uma
explicação teológica do sentido das parábolas (capítulo 7), detendo-se depois a comentar
três delas, que ilustram a inexaurível riqueza da mensagem de Jesus e a sua perene
actualidade.
No capítulo seguinte (oitavo), o autor aborda outras comparações
usadas por Jesus para explicitar o seu mistério: as grandes imagens joaninas. Antes
de as analisar, o Papa expõe um resumo muito interessante dos diversos resultados
da investigação científica sobre quem era o evangelista João. Abrem-se ao leitor novos
horizontes que revelam Jesus, de modo cada vez mais claro, como o “Verbo de Deus”
feito homem para a nossa salvação, como o “Filho de Deus”, que veio a reconduzir a
humanidade à unidade com o Pai – a realidade de que Moisés é a figura. Esta visão
é ampliada nos dois últimos capítulos. “A narração da transfiguração de Jesus … explica
e aprofunda a confissão de Pedro, pondo-a ao mesmo tempo em ligação com o mistério
da morte e da ressurreição”. Estes dois acontecimentos são momentos decisivos para
o Jesus terreno como também para os seus discípulos. Estabelece-se qual é a verdadeira
missão do Messias de Deus e qual é o destino de quem O quer seguir. Jesus, o Filho
do Deus vivo, é o Messias esperado por Israel que, através do escândalo da Cruz, conduz
a humanidade até ao “Reino de Deus”, à liberdade definitiva (capítulo 9). E este
volume conclui com uma profunda análise dos títulos que, segundo os Evangelhos, Jesus
utilizou para si (capítulo 10). Fica mais uma vez claro que só uma leitura das Escrituras
como um todo único pode revelar o significado dos três termos – “Filho do homem”,
“Filho” e “Eu sou”. Este último - o misterioso nome com o qual Deus se revelou a Moisés
na sarça ardente – deixa entrever que Jesus é Ele próprio Deus. Como escreve o autor,
nestes três títulos “Jesus revela e ao mesmo tempo oculta o mistério de si… As três
expressões demonstram o seu profundo enraizamento na palavra de Deus, a Bíblia de
Israel, o Antigo Testamento…, só n’Ele recebem o seu pleno significado. Esperaram
por Ele, por assim dizer.”
O Pe. Federico Lombari, director da sala de
imprensa da Santa Sé, durante a apresentação desta tarde, enquadrou o lançamento
da obra nas celebrações do 80.º aniversário de Bento XVI e assinalou que, esta obra
do Papa tem a novidade do "âmbito teológico", que não apresenta como exercício magisterial,
mas como reflexão pessoal de um fiel. Por isso, há espaço para a discussão e o
confronto pessoal com a obra. A apresentação de "Jesus de Nazaré", teve lugar na
Aula do Sínodo no Vaticano e esteve a cargo do Cardeal Christoph Schönborn, o teólogo
Daniele Garrone e o filósofo Massimo Cacciari.