Dar a vida para que os homens encontrem a Vida verdadeira: Bento XVI na Missa "in
Coena Domini" em São João de Latrão, em que explicou o sentido da Última Ceia.
(5/4/2007) Bento XVI abordou na tarde desta Quinta-Feira Santa, na Basílica de São
João de Latrão o sentido da Última Ceia de Jesus, em relação com a ceia pascal judaica
e as práticas da comunidade de Qumrân. O Papa falou da "aparente contradição"
entre os relatos do Evangelho de João e o dos Sinópticos. No primeiro, Jesus morre
na véspera da Páscoa (na hora em que eram imolados os Cordeiros no templo de Jerusalém)
e, nos outros três Evangelhos, a Última Ceia é apresentada como uma ceia pascal nesse
mesmo dia (que Jesus não poderia celebrar se tivesse morrido à hora indicada por João),
na sua forma tradicional, mas com a novidade do "dom do seu corpo e do seu sangue".
Abandonando a hipótese de dar um sentido "simbólico" à data apresentada no Evangelho
segundo João, o Papa indicou que a descoberta dos escritos de Qumrân, a meio do século
XX, ofereceu "uma possível solução convincente", embora a mesma ainda não seja aceite
por todos. "Jesus derramou o seu sangue, de facto, na véspera da Páscoa e na hora
da imolação dos cordeiros. Ele celebrou, contudo, a Páscoa com os seus discípulos,
provavelmente segundo o calendário de Qumrân, por isso, pelo menos, um dia antes",
indicou. Qumrân é um local da Palestina, na margem noroeste do Mar Morto, 13 km
ao sul de Jericó, onde viveu uma comunidade de ascetas judeus (possivelmente essénios).
Nos arredores foram encontrados, entre 1947 e 1956, muitos manuscritos escondidos
em grutas, dum período estimado entre 200 anos antes da era cristã e cerca de 100
anos depois. A descoberta do espólio permitiu conhecer este grupo religioso, de vida
monástica e forte ascetismo. Nesta comunidade havia um modo de interpretar a Escritura
(e as normas legais) diferente do habitual entre saduceus e fariseus. Quanto à Páscoa,
disse o Papa, "Jesus celebrou-a sem cordeiro, como a comunidade de Qumrân, que não
reconhecia o templo de Herodes e esperava um novo templo". "Jesus, portanto, celebrou
a Páscoa sem cordeiro - não, não sem cordeiro: em vez do cordeiro, ofereceu-se a si
mesmo, o seu corpo e o seu sangue", prosseguiu. Nesta Páscoa "sem cordeiro e sem
templo", Jesus era "o próprio Cordeiro, o verdadeiro, como tinha preanunciado João
Baptista no início do ministério público de Jesus", e era "o verdadeiro templo, o
templo vivo em que Deus habita e no qual nós podemos encontrar Deus e adorá-lo". "O
seu sangue, o amor daquele que é, ao mesmo tempo, Filho de Deus e verdadeiro homem,
um de nós, esse sangue pode salvar. O seu amor, esse amor em que Ele se dá livremente
por nós, é isso que nos salva". Nova Páscoa Na homilia da Missa da
Ceia do Senhor, Bento XVI começou por falar dos sinais e do sentido da Páscoa judaica,
explicando que esta celebração "oferecia uma ponte do passado para o presente e rumo
ao futuro". A libertação que Israel celebrava, todavia, "não estava completa"
e, no tempo de Jesus, a celebração da Páscoa era também uma súplica pela "liberdade
definitiva". O próprio Jesus celebrou esta ceia de "múltiplos significados", com
os seus, e é nesse contexto que se deve compreender a "nova Páscoa", oferecida na
Eucaristia. "No centro da Páscoa nova de Jesus estava a Cruz. Dela vinha o novo
dom por Ele trazido, que permanece sempre na Santa Eucaristia, na qual podemos celebrar
com os Apóstolos, ao longo dos tempos, a nova Páscoa", disse. O Papa recordou
as palavras de Jesus "ninguém me tira a vida, sou eu que a dou": "a haggadah pascal,
a comemoração do agir salvífico de Deus, tornou-se memória da cruz e da ressurreição
de Cristo", uma memória que não se limita a recordar o passado, mas que "nos atrai
para a presença do amor de Cristo". Assim, prosseguiu, a berakha, oração de bênção
e agradecimento de Israel, "tornou-se a nossa celebração eucarística, em que o Senhor
abençoa os nossos dons, pão e vinho, para dar-se nele a si mesmo". "Rezemos ao
Senhor para que nos ajude a compreender cada vez mais profundamente este mistério
maravilhoso, a amá-lo cada vez mais", indicou. "Peçamos ao Senhor - disse o Papa
a concluir -que nos ajude a não guardar a nossa vida para nós, mas a dá-la a Ele e
desta maneira trabalhar juntamente com Ele para que os homens encontrem a vida, a
vida verdadeira que pode vir somente daquele que é, Ele mesmo, a Verdade e a Vida".
Logo após a homilia, Bento XVI cumpriu o rito do lava-pés a 12 representantes
dos movimentos laicais da Diocese de Roma. Num gesto de solidariedade, o ofertório
desta celebração foi destinado, por vontade do Papa, para ajudar o dispensário médico
de Baidoa, na Somalia, dirigido pela Cáritas local.