(27/3/2007) As linhas que se seguem têm como objectivo propor uma chave que nos
possa ajudar na leitura do texto que Bento XVI apresentou em Roma, no dia 22 de Fevereiro
- festa da Cátedra de São Pedro - de 2007, no segundo ano do pontificado. As palavras
com que começa esta Exortação Apostólica são bem evidentes do enquadramento que o
Papa Bento XVI quis dar a este Documento: "Sacramento da Caridade, a Santíssima Eucaristia
é a doação que Jesus Cristo faz de Si mesmo, revelando-nos o amor infinito de Deus
por cada homem". A partir delas somos imediatamente remetidos para a sua primeira
Carta Encíclica "Deus Caritas Est. O próprio papa o afirma explicitamente no nº 5:
"Consciente do vasto património doutrinal e disciplinar acumulado no decurso dos séculos
à volta da Eucaristia, neste documento desejo sobretudo recomendar, acolhendo o voto
dos padres sinodais, que o povo cristão aprofunde a relação entre o mistério eucarístico,
a acção litúrgica e o novo culto espiritual que deriva da Eucaristia enquanto sacramento
da caridade [fica aqui claramente indicada a finalidade da Exortação]. Com esta perspectiva,
pretendo colocar esta Exortação na linha da minha primeira Carta Encíclica - a Deus
Caritas Est -, na qual várias vezes falei do sacramento da Eucaristia pondo em evidência
a sua relação com o amor cristão, tanto para com Deus como para com o próximo." O
pano de fundo, a chave de leitura desta exortação deve, pois, ser procurada nesse
primeiro documento. Como é óbvio, tudo o que ali é dito tem de ser tido em conta,
o que não nos deve, no entanto, impedir de procurar uma passagem, ou uma ideia, que
nos possa orientar de uma maneira mais concreta no exercício de leitura e compreensão
que se pretende ajudar a fazer. Neste sentido, encontro na introdução da Encíclica
duas passagens que, no meu entender, podem ser preciosas para essa tarefa. Na primeira
é dito de uma forma explícita que: "No início do ser cristão, não há uma decisão ética
ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à
vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo". Não tenhamos dúvidas, muito
mais do que um simples acreditar, ou mesmo de um simples proclamar, a experiência
cristã exige a concretização deste encontro, sem o qual tudo poderá correr o risco
de não passar de boa intenções, por mais importantes que elas se revelem, e/ou de
gestos bonitos, por mais indispensáveis que estes sejam. As três partes em que se
divide a Exortação: "Eucaristia Mistério Acreditado", "Eucaristia Mistério Celebrado"
e "Eucaristia Mistério Vivido" (os títulos são bem reveladores da intenção) sublinham
como o acreditar não está verdadeiramente completo sem a celebração e a vida. A
segunda vai na mesma linha, referindo que: "uma vez que foi Deus o primeiro a amar-nos,
agora o amor já não é só um "mandamento", mas é a resposta ao dom do amor com que
Deus vem ao nosso encontro". O cristianismo é, de facto, uma experiência relacional
(experiência de encontro uma vez mais), a partir da qual ganham forma e sentido todas
as práticas e atitudes. Os dogmas, ritos, celebrações e tudo o mais que vivemos na
Igreja, só podem ter verdadeiro significado quando são expressão desta profunda realidade.
São essencialmente estas referências, que aqui deixo a modo de proposta, que me
ajudam a ler e a interpretar a Exortação Apostólica. A celebração da Eucaristia é
a celebração do encontro com Jesus Cristo no qual Deus nos ama e interpela ao amor.
Como é obvio e natural em toda a reflexão e vida da Igreja o Papa tem, também,
presente neste documento toda a tradição, dando especial atenção aos momentos mais
recentes que, a partir do grande Jubileu do ano 2000, fortemente insistiram na dimensão
eucarística da experiência cristã. A referência explícita ao ano da Eucaristia (2004)
e à carta Encíclica de João Paulo II "Ecclesia de Eucha-ristia", são disso, entre
outros, um testemunho evidente. De um modo muito especial são igualmente recolhidos
nesta Exortação Apostólica, como também explicitamente se afirma, a multiforme riqueza
de reflexões e propostas surgidas na recente Assembleia Geral Ordinária do Sínodo
dos Bispos. Seja-me permitida ainda uma nota final muito breve. Tanto a Carta
Encíclica "Deus Caritas Est", como a Exortação Apostólica "Sacramentum Caritatis",
são bem reveladoras de que os documentos do actual Papa não podem ser só lidos, ou
seja, na leitura destes documentos é necessário ter presente o exercício da reflexão
teológica. Penso que a ausência desse exercício está na origem de leituras redutoras
e simplistas das mais variadas tonalidades. Juan Francisco Ambrosio, Professor
de Teologia