Mensagem para a Quaresma do Administrador Apostólico do Porto: "arrependei-vos e acreditai
no Evangelho"(Mat. 1,15)
(21/2/2007) Eis chegado o tempo favorável (1.ª Cor. 6,2). Vamos iniciar um tempo
novo, a Quaresma como caminho de preparação para a Páscoa. O tempo, visto com os olhos
dos cristãos, é uma realidade ungida pelo Verbo de Deus. O “tempo sagrado” supõe que
acreditamos no Deus da Criação que é o Senhor da história. Foi Jesus que deu ao tempo
o sentido sagrado, ao assumir Ele mesmo a natureza humana. Então a ungiu e consagrou
como oferta serena, purificada, entregue nas mãos do Pai. É dessa visão sagrada do
tempo que deriva a beleza de cada acontecimento simples da vida humana. A Quaresma,
com as características particulares de outros tempos, em que tudo o que era profano
parava, essa Quaresma deixou de existir. Agora é o ar renovado do Vaticano II que
nos convida a ouvir o pregão que soava já nos tempos do Velho Testamento: Tocai a
trombeta em Sião, ordenai o jejum, convocai a Assembleia. Em Quarta-feira de Cinzas
inicia-se uma caminhada pascal guiada por Cristo, através do deserto da Quaresma:
Voltai para Mim de todo o coração com lágrimas, jejuns e lamentações (Joel, 2); Lembra-te,
ó homem, que és pó e ao pó hás-de voltar (Génesis 3,19); Arrependei-vos e acreditai
no Evangelho (Mat. 1,15). No seguimento deste convite, o Evangelho de S. Mateus
traça-nos o QUADRO programático da Quaresma: caridade desinteressada; oração sincera
diante de Deus; jejum verdadeiro; maior atenção à Palavra de Deus (Mat. 6, 1-9.16-18).
João Paulo II, já em 1984, insistia em que dos Pastores da Igreja se espera uma
CATEQUESE sobre a Reconciliação e a Penitência, sobretudo neste tempo forte da Quaresma,
isto é: ir buscar às fontes bíblicas a necessidade de se reconciliar com Deus, com
o próximo e com a própria natureza (Reconciliação e Penitência, 26). Dos Pastores
da Igreja espera-se também uma CATEQUESE sobre a Penitência, que é, antes de tudo,
conversão, à imagem do Filho Pródigo, e, depois, é arrependimento sincero: Se teu
irmão se arrepender (voltar a ti), perdoa-lhe. Dos Pastores da Igreja espera-se
ainda uma CATEQUESE sobre a consciência e a sua formação. A consciência é esse “santuário
interior”, tantas vezes agredido, perturbado e obscurecido que precisa de esclarecimento
e orientação sobre o sentido do pecado, da tentação e das tentações. Bento XVI,
por sua vez, propõe-nos para este ano de 2007, um itinerário quaresmal que nos conduza
com Maria e João a contemplar a profundidade, a largura e a altura daquele AMOR de
Deus que se revela em Cristo Jesus. Aí se manifesta o AMOR=Ágape de que Deus nos rodeia,
sem esperar retribuição. Aí se manifesta também o AMOR=Eros que é nem mais nem menos
do que a Paixão divina de Deus pelo homem que criou: O Criador aguarda o SIM das suas
criaturas, como o jovem esposo aguarda o sim da sua noiva. A este amor o homem
fechou-se desde Adão. O mistério da Cruz revela que a morte do Filho de Deus é o acto
supremo de amor e liberdade do novo Adão, Cristo. Na cruz manifesta-se o amor de Deus
por nós. Na cruz, Jesus tem sede. Na cruz, Jesus morre derramando sangue e água, símbolos
para os Padres da Igreja dos sacramentos do Baptismo e da Eucaristia. Bento XVI
convida-nos a viver a Quaresma como “tempo eucarístico”: acolhendo o amor de Jesus
e aprendendo a devolvê-lo ao irmão por gestos e palavras. Aqui tem lugar uma referência
às práticas tradicionais da Igreja, para este tempo forte de preparação da Páscoa.
Sintetizam-se em quatro: a Oração, a Abstinência, o Jejum e a Esmola. Se nos temos
descuidado em dar tempo a Deus na oração, a Quaresma é a altura de reparar essa falta,
na convicção profunda de que sem Deus e a sua graça nada faremos de útil para a salvação.
Todas as sextas feiras da Quaresma são dias de abstinência, o que significa que
nos devemos abster de carnes ou então optar por uma refeição pobre que evite os luxos
dos sabores requintados. Jejuar é fazer uma única refeição por dia ou então privar-se
de alimento e bebida, de tal modo que isso constitua uma verdadeira penitência. Dias
de jejum obrigatório são a Quarta-feira de Cinzas e a Sexta-feira Santa. A esmola,
palavra que parece ter sofrido evolução semântica negativa, a esmola não é mais nem
menos do que pôr em prática a partilha de bens com os mais necessitados, à semelhança
da Comunidade primitiva: Vendiam as suas propriedades e bens e dividiam-nos entre
todos, segundo as necessidades de cada um (Actos 2, 45). Neste particular, é costume
da Igreja, nos últimos anos, convidar os cristãos a oferecerem um contributo penitencial,
que corresponde, em Portugal, à antiga Bula. Todas as paróquias são convidadas a dispor
de um lugar devidamente identificado em cada Igreja ou Capela e no qual os fiéis depositam
a sua parte de renúncia quaresmal em dinheiro. Em alternativa, ou em simultâneo, poderá
fixar-se um dia no qual todos, no ofertório dominical, entregam a sua oferta para
o fim indicados pelo Bispo. Nesta Diocese do Porto, o Contributo Penitencial de
2007 destinar-se-á, depois de retirados 5% para a Conferência Episcopal poder apoiar
causas idênticas, a duas finalidades: a Fundação “O Bom Samaritano” e a Diocese de
Meliapor. “O Bom Samaritano” é uma Instituição fundada por João Paulo II, agora
sob administração do Conselho Pontifício para a Pastoral da Saúde. Os bens que recolhe
destinam-se a formar agentes para prevenir e assistir os que contraíram SIDA, principalmente
em África. Só dois dados concretos: Em África, há oito países com mais de um milhão
de doentes da Sida cada um; entre 2001 e 2003, o número de crianças órfãs, por causa
da Sida, subiu para 15 milhões. A Diocese de Meliapor fica na Índia. Foi diocese
do Padroado português até 1950. Entre o século XVI e o século XX, teve à sua frente
cerca de vinte Bispos portugueses. Entre eles esteve D. António Barroso, que depois
foi Bispo do Porto. Pedem-nos agora ajuda para a construção de um Centro de Formação
Laical e Casa de Retiros. Vamos abrir as nossas bolsas para estas duas causas.
E que Deus abra o nosso coração à alegria de dar e repartir do que nos sobra, quem
sabe, do que nos faz falta. Pode acontecer que esta disponibilidade de repartir
esteja um pouco arrefecida. É preciso então reacender a chama do Amor fraterno nesta
Quaresma de 2007, que nos vai conduzir à Páscoa da Ressurreição. Eis o tempo favorável.
Arrependei-vos e acreditai no Evangelho! Porto, 12 de Fevereiro de 2007 João
Miranda Teixeira, Administrador Apostólico