Enfrentar conjuntamente os desafios da hora presente, promovendo um humanismo integral:
votos e convite do Papa ao Corpo Diplomático
Recebendo segunda-feira o Corpo Diplomático, Bento XVI lançou “um olhar sobre a situação
internacional”, para “encarar os desafios que estamos chamados a enfrentar conjuntamente”.
Este encontro de apresentação de votos de Ano Novo – sublinhou – “não é mera formalidade,
bem sim uma ocasião para fortalecer a nossa esperança e para nos empenharmos cada
vez mais ao serviço da paz e do desenvolvimento”. Primeiro desafio apontado por
Bento XVI: os milhões de pessoas, especialmente mulheres e crianças, que não dispõem
de água, de alimento, de um tecto. “O escândalo da fome, que tende a agravar-se, é
inaceitável num mundo que dispõe dos bens, conhecimentos e meios para lhe pôr termo.
Impele-nos a modificar os nossos modos de vida. Recorda-nos a urgência de eliminar
as causas estruturais dos desfuncionamentos da economia mundial e de corrigir modelos
de crescimento incapazes de garantir o respeito do ambiente e um desenvolvimento humano
integral”. Preocupantes também os sintomas crescentes de crise no que diz respeito
ao desarmamento, com o aumento das despesas militares à escala mundial. “As questões
da segurança, agravadas pelo terrorismo – que há que condenar firmemente – devem ser
tratadas numa abordagem global e clarividente” – advertiu o Papa. Uma outra questão
que assume relevo crescente é a movimentação das pessoas, no mundo: “Milhões de homens
e mulheres são constrangidos a deixar os seus lares ou a sua pátria por causa das
violências ou para procurar condições de vida mais dignas. É ilusório pensar bloquear
ou simplesmente controlar pela força os fenómenos imigratórios. As migrações e os
problemas que estas criam devem ser enfrentadas com humanidade, justiça e compaixão”.
Bento XVI referiu com preocupação as “ameaças contra a estrutura natural
da família”, com as “tentativas de a relativizar dando o mesmo estatuto a outras formas
de união radicalmente diferentes”. Denunciadas também “outras formas de agressão à
vida cometidas por vezes ao abrigo da investigação científica. “Difunde-se a convicção
de que a investigação não está sujeita senão às leis que ela própria se atribui, sem
outro limite que não seja as suas próprias possibilidades. É o caso (advertiu o Papa)
das tentativas de legitimar a clonagem humana para hipotéticos fins terapêuticos”.
Como elementos positivos que emergem nos dias de hoje, Bento XVI referiu antes
de mais “a crescente tomada de consciência da importância do diálogo entre as culturas
e entre as religiões”. Trata-se – sublinhou – de “uma necessidade vital, em particular
dados os desafios comuns que dizem respeito à família e à sociedade”. De registar
também uma maior “tomada de consciência da comunidade internacional sobre os enormes
desafios do nosso tempo, assim como os esforços para a traduzir em actos concretos”.
Depois de “saudar com gratidão” Koffi Annan pela acção desenvolvida como Secretário
geral da ONU, Bento XVI formulou os seus melhores votos para o respectivo sucessor,
Ben Ki Moon. Referindo o esforço para erradicar a miséria, o Papa mencionou o compromisso
dos países desenvolvidos de destinarem 0,7 do seu produto interno bruto à ajuda internacional.
Sublinhada também a importância da luta contra a corrupção e a promoção do bom governo.
Passando depois a uma resenha bastante detalhada das crises e conflitos com que
se confrontam os diversos continentes, Bento XVI começou por se referir à África,
e antes de mais ao “drama do Darfur”, em relação ao qual a comunidade internacional
parece impotente, desde há quatro anos, não obstante as iniciativas destinadas a apoiar
as populações em dificuldade , protegendo eficazmente as populações civis”. “Só
uma colaboração activa entre as Nações Unidas, União Africana, os governos em causa
e outros protagonistas poderá dar eficácia a estes meios. Convido-os a todos a agir
com determinação: não podemos aceitar que tantos inocentes continuem a sofrer e a
morrer assim”. A propósito da situação no Corno de África, o Papa evocou a memória
da Irmã Leonella Sgorbati, “que deu a sua vida ao serviço dos mais desfavorecidos,
invocando o perdão para os seus homicidas. Que o seu exemplo e testemunho inspirem
todos os que procuram realmente o bem da Somália” – auspiciou. Ainda em relação
à África, Bento XVI mencionou expressamente o “cruel conflito” do Uganda, a Região
dos Grandes Lagos (saudando com apreço a transição política em curso no Burundi e
na República Democrática do Congo, e o processo de reconciliação no Ruanda), a Costa
do Marfim e, mais em geral, a África Austral, com “milhões de pessoas reduzidas a
uma situação de grande vulnerabilidade, que exige a atenção e o apoio da comunidade
internacional”. “Repito-o: não esqueçamos a África e as suas numerosas situações
de guerra e de tensão. Há que recordar que só as negociações entre os diferentes protagonistas
podem abrir o caminho a um regulamento justo dos conflitos, deixando entrever progressos
para a consolidação da paz”. Como “sinais positivos para a África”, o Para referiu
“a vontade expressa pela comunidade internacional de manter este continente no centro
das suas atenções”, assim como “o reforço das instituições continentais e regionais”
e “ a atitude digna de pessoas que com determinação se empenham, no terreno, dia após
dia, para promover projectos que contribuem para o desenvolvimento”. Passando
depois à América Latina e Caraíbas, Bento XVI referiu a viagem apostólica que fará
ao Brasil, no próximo mês de Maio, e a melhoria verificada em alguns índices económicos,
assim como na luta contra o tráfico da droga e a corrupção. A propósito das eleições
que tiveram lugar em variados países latino-americanos, o Papa fez questão de sublinhar
as dimensões de uma democracia autêntica: “A democracia está chamada a tomar
em conta as aspirações do conjunto dos cidadãos, a promover o desenvolvimento no respeito
de todas as componentes da sociedade, segundo os princípios da solidariedade, da subsidiariedade
e da justiça. Contudo, há que velar perante o risco de que o exercício da democracia
se transforme em ditadura do relativismo, propondo modelos antropológicos incompatíveis
com a natureza e a dignidade do homem”. Ainda na América Latina e Caraíbas, o
Papa referiu expressamente o caso da Colômbia, Haiti e Cuba (recordando as palavras
de João Paulo II: “Que Cuba se abra ao mundo e que o mundo se abra a Cuba!”). Sobre
a Ásia, Bento XVI mencionou a China e a Índia (“países em plena expansão”) , fazendo
votos de que “a sua crescente presença no cenário internacional represente um benefício
para as suas populações e dos outros países asiáticos". Não faltou uma alusão
a Timor Oriental: “No Timor Oriental, a Igreja Católica tenciona continuar a oferecer
a sua contribuição, nomeadamente nos sectores da educação, da saúde e da reconciliação
nacional. A crise política que atravessa este jovem Estado – como aliás outros países
da região – põe em evidência certa fragilidade dos processos de democratização”. A
propósito do Vietnam – mas alargando o olhar a todo o continente asiático, o Papa
referiu com apreço as comunidades cristãs da Ásia: “comunidades pequenas mas vivas,
que desejam legitimamente viver e agir num clima de liberdade religiosa”, que constitui
“ao mesmo tempo “um direito primordial e uma condição para poderem contribuir para
o progresso material e espiritual da sociedade, sendo elementos de coesão e de concórdia”
. Para além da frágil e precária situação do Afganistão, o Papa referiu também
com preocupação os diferentes casos do Sri Lanka, do Irão e do Iraque, antes de passar
ao Médio Oriente, “fonte de grandes inquietações. “Renovo o meu premente apelo a todas
as partes em causa no complexo xadrez político da região, com a esperança de que se
consolidem os sinais positivos – registados nas últimas semanas - entre Israelitas
e Palestinianos. A Santa Sé nunca se cansará de repetir que as soluções armadas não
conduzem a nada, como se viu no Líbano, no verão passado”. “Para pôr termo à crise
e aos sofrimentos que esta provoca nas populações (advertiu o Papa), é preciso proceder
a uma abordagem global, que não exclua ninguém da busca de uma solução negociada que
tenha em conta as aspirações e os legítimos interesses dos diferentes povos implicados”:
“Os libaneses têm direito a ver respeitadas a integridade e soberania do seu país;
os israelitas têm direito a viver em paz no seu Estado; os Palestinianos têm direito
a uma pátria livre e soberana. Se cada um dos povos da região vir as suas expectativas
tomadas em consideração, sentindo-se menos ameaçado, reforçar-se-á a confiança mútua”.
Finalmente, uma referência à Europa, aos dois países que acabam de ser integrados
na União Europeia (Roménia e Bulgária) , assim como ao quinquagésimo aniversário dos
Tratados de Roma, que ocorre este ano. O Papa faz votos de que, no Tratado constitucional,
“sejam plenamente protegidos os valores fundamentais que estão na base da dignidade
humana, em particular a liberdade religiosa em todas as suas dimensões, e os direitos
institucionais das Igrejas. Evocando a recente celebração dos cinquenta anos da insurreição
de Budapeste, Bento XVI observou que “os dramáticos acontecimentos do século XX incitam
todos os Europeus a construírem um futuro livre de toda a opressão e de todo o condicionamento
ideológico, tecendo elos de amizade e de fraternidade e manifestando solicitude e
solidariedade para com os mais pobres e pequenos”. “Há também que purificar as tensões
do passado, promovendo a todos os níveis a reconciliação, pois só ela permite construir
o futuro, dando lugar à esperança “. A concluir, o Papa admitiu que “as situações
evocadas constituem um desafio que a todos diz respeito”, o “desafio de promover e
consolidar o que de positivo há no mundo e a ultrapassar, com boa vontade, sabedoria
e tenacidade tudo o que fere, degrada e mata o homem”. “É respeitando a pessoa humana
que é possível promover a paz e é construindo a paz que se lançam as bases de um autêntico
humanismo integral. É assim que encontra resposta a preocupação de tantos dos nossos
contemporâneos perante o futuro. Sim, o futuro poderá ser sereno se trabalharmos conjuntamente
a favor do homem. O homem, criado à imagem de Deus, tem uma dignidade incomparável;
o homem que tão digno de amor é aos olhos do seu Criador que Deus não hesitou em doar,
para ele, o seu próprio Filho”. O Papa assegurou que “no seu empenho ao serviço
do homem e da construção da paz, a Igreja está ao lado de todas as pessoas de boa
vontade, oferecendo uma colaboração desinteressada”. “Conjuntamente, cada um no seu
lugar e segundo os seus próprios talentos, saibamos trabalhar todos na construção
de um humanismo integral que é o único que pode assegurar um mundo pacífico, justo
e solidário” – concluiu.