2006-12-22 13:15:34

A paz, a crise da família, sacerdócio e celibato, o diálogo ecuménico e o diálogo inter-religioso: estes os temas abordados por Bento XVI, na troca de Boas Festas com a Cúria Romana


( 22/12/2006) Passando em resenha alguns dos principais acontecimentos do ano de 2006, na sua actividade de sucessor de Pedro, o Papa comentou e enquadrou diferentes questões que emergiram nas diversas circunstâncias, nomeadamente nas viagens empreendidas, que tiveram como tema geral – sublinhou – a relação entre o céu e a terra, entre paz na terra e reconciliação com Deus.

Antes de mais, a visita pastoral à Polónia, terra natal do “amado Papa João Paulo II”. Bento XVI exaltou a “fé inabalável e o radicalismo da dedicação” do seu predecessor, como “o seu maior dom a todos nós”. “Ele deu-se sem reservas a Deus, a Cristo, à Mãe de Cristo, à Igreja: ao serviço do Redentor e à redenção do homem. Não reservou nada, deixou-se consumar até ao fim pela chama da fé. Mostrou-nos assim como é que, como homens deste nosso tempo, se pode crer em Deus, no Deus vivo… Mostrou-nos que é possível uma entrega definitiva e radical de toda a vida e que é precisamente no doar-se que a vida se torna grande e vasta e fecunda”.
Daqui, uma breve reflexão sobre o ministério petrino, que se baseia na promessa feita por Jesus a Pedro, em Cesareia de Filipe: “Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha igreja”. “Em si, Pedro não era uma rocha, era um homem débil e inconstante. Mas o Senhor quer fazer precisamente dele a pedra, demonstrando que , através dum homem débil, Ele mantém de modo seguro a sua Igreja assegurando a sua unidade”.

Aludindo à visita realizada ao campo de concentração de Auschwitz, “lugar da mais cruel barbárie, da tentativa de cancelar o povo de Israel, e de vanificar assim a eleição da parte de Deus, tentativa de excluir da história o próprio Deus”, observou o Papa:.
“Foi para mim motivo de grande conforto ver comparecer no céu o arco-íris, quando eu, perante o horror daquele lugar, na atitude de Job, gritava para Deus, abalado pelo terror da sua aparente ausência, e ao mesmo tempo amparado pela certeza de que, mesmo no seu silêncio, Ele não deixa de estar connosco. O arco-íris era como uma resposta”.


A propósito da visita a Valência, para o Encontro Mundial das Famílias, o Papa referiu-se ao tema do matrimónio e da família, congratulando-se com os testemunhos de casais que vivem – não obstante todas as crises e dificuldades – a fidelidade ao sim inicial: “o sim que se deram reciprocamente, na paciência do caminho e na força do sacramento com que Cristo os ligou conjuntamente” e que “se tornou num grande sim perante eles mesmos, os filhos, Deus Criador e Jesus Cristo Redentor”.
“Assim, do testemunho destas famílias chegava até nós uma onda de alegria, não de um entusiasmo superficial e mesquinho que depressa desvanece, mas de uma alegria maturada também no sofrimento, de uma alegria profunda, que redime verdadeiramente o homem”.
Foi neste contexto que, verificando que a Europa parece não querer ter mais filhos, “o problema da Europa penetrou na minha alma” - confessou Bento XVI. Esta Europa parece cansada, parece querer despedir-se da história”. Porquê? – perguntou-se. Reconhecendo que as respostas são complexas, o Papa adiantou uma delas: “já não temos a certeza de quais são as normas a transmitir; já não sabemos qual é o uso justo da liberdade, qual é o modo justo de viver, que coisa se impõe moralmente, e que coisa é inadmissível.” “O espírito moderno perdeu a orientação, e esta falta de orientação não nos permite ser - para outros – indicadores do recto caminho. Mais ainda: a problemática vai mais longe. O homem de hoje é inseguro sobre o futuro… Em última análise, é coisa boa ser homem?”


Neste contexto, o Santo Padre declarou não poder calar a sua “preocupação” perante “novas formas jurídicas que relativizam o matrimónio”, em que “a renúncia ao elo definitivo obtém até, por assim dizer, uma confirmação jurídica”. A isto se soma também o caso de “outras formas de casais” em que se verifica “a relativização da diferença dos sexos”. “Confirmam-se assim tacitamente aquelas funestas teorias que retiram qualquer relevância à masculinidade e à feminilidade da pessoa humana, como se se tratasse de um facto meramente biológico; teorias segundo as quais o homem – a sua inteligência e a sua vontade – decidiria autonomamente o que é e o que não é. Há aqui um desprezo da corporeidade… em que o homem acaba por se destruir a si próprio” – advertiu o Papa.


Passando à viagem à Alemanha, Bento XVI recordou que esta tinha como tema “Deus”, observando: “A Igreja deve falar de tantas coisas…Mas o seu verdadeiro tema e – sob certos aspectos – o único tema é “Deus”.
“O grande problema do Ocidente é o esquecimento de Deus: um esquecimento que se difunde. Em última análise, todos os problemas e cada um deles se podem reconduzir a esta questão”.


Com o tema de Deus, se relacionam os temas do sacerdócio e do diálogo – observou Bento XVI. O padre é – como o bispo – “homem de Deus”. É tarefa central do sacerdote levar Deus aos homens. E é claro que só o pode fazer se ele próprio vem de Deus, vive com Deus, vive de Deus”. “O verdadeiro fundamento da vida do padre, o solo da sua existência, a terra da sua vida, é o próprio Deus”. “Esta teocentricidade da existência sacerdotal – observou ainda o Papa – é necessária precisamente no nosso mundo tão “funcionalista”, em que tudo assenta em serviços calculáveis e verificáveis. O padre deve conhecer verdadeiramente a Deus a partir de dentro e levá-lo assim aos homens: é este o serviço prioritário de que tem necessidade a humanidade de hoje.”


Neste contexto, Bento XVI referiu “o celibato, que vigora para os Bispos em toda a Igreja oriental e ocidental e, segundo uma tradição que remonta a uma época próxima da dos Apóstolos, para os padres em geral, na Igreja latina”. Sobre esta questão – lembrou o Papa – não bastam as razões meramente pragmáticas”. “O verdadeiro fundamento do celibato… so pode ser teocêntrico. Não pode significar o ficar privados de amor, mas deve significar o deixar-se tomar pela paixão por Deus… O celibato deve ser um testemunho de fé. Apoiar a vida sobre Ele, renunciando ao matrimónio e à família, significa que eu acolho e experimento Deus como realidade e posso, portanto, levá-lo aos homens”. O mundo de hoje “tem necessidade do testemunho por Deus que está contido na decisão de acolher Deus como a terra em que se apoia a própria existência”.


Finalmente, ainda no contexto da viagem à Alemanha, nomeadamente a Regensburg (e depois à Turquia), Bento XVI referiu o tema do diálogo, nomeadamente ao diálogo entre fé e razão – um diálogo cuja urgência se revela cada vez mais imperiosa – advertiu.
“A razão tem necessidade do Logos que está no início e é a nossa luz; a fé, por sua vez, tem necessidade do colóquios com a razão moderna, para se dar conta da sua grandeza e corresponder às suas responsabilidades”.
Foi isso que tentei evidenciar na minha conferência em Regensburg – observou Bento XVI. “È uma questão que não é de modo algum de natureza meramente académica; trata-se do futuro de todos nós”.


Em Regensburg – fez notar o Papa – só marginalmente é que foi tocado o diálogo entre as religiões. E isso sob um duplo ponto de vista. Antes de mais o facto de que a razão secularizada não está em condições de entrar num verdadeiro diálogo com as religiões. Se permanece fechada perante a questão de Deus, isso acabará por conduzir ao conflito das culturas. O outro aspecto era a afirmação de que as religiões se devem encontrar na tarefa comum de colocar-se ao serviço da verdade e portanto do homem. “A visita à Turquia ofereceu-me a ocasião de ilustrar publicamente o meu respeito pela Religião islâmica, um respeito aliás já indicado pelo Concílio Vaticano II como um dever que se impõe”.
“Num diálogo a intensificar com o Islão deveremos ter presente o facto de que o mundo muçulmano se encontra hoje em dia com grande urgência perante uma tarefa muito parecida com a que se impôs aos cristãos a partir do Iluminismo e que o Concílio Vaticano II, como fruto de uma longa e árdua busca, levou a soluções concretas para a Igreja católica.
“Por um lado, é necessário contrapor-se a uma ditadura da razão positivista que exclui Deus da vida da comunidade e dos ordenamentos públicos… Mas por outro lado, é necessário acolher as verdadeiras conquistas do Iluminismo – os direitos do homem e especialmente a liberdade da fé e do seu exercício”…
“Nós, cristãos, sentimo-nos solidários com todos os que, precisamente em razão das suas convicções religiosas de muçulmanos, se empenham contra a violência e a favor da sinergia entre fé e razão, entre religião e liberdade”.








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