Católicos apoiam iniciativas de desarmamento em Portugal
A Igreja Católica está disponível para cooperar em todas as iniciativas que visem
o desarmamento em Portugal e a criação de uma sociedade “segura e livre de armas”.
A
Comissão Nacional Justiça e Paz (CNJP) promoveu em Lisboa, a quinta e última sessão
da audição pública que, desde Novembro de 2005, dedicou a este tema. No final da iniciativa,
foi apresentada uma declaração em que o organismo católico manifesta o seu apoio ao
processo de “entrega voluntária de armas” previsto na nova lei do uso e porte de armas,
mas exige que o Estado dê “a garantia inequívoca de que as armas legais ou ilegais
recolhidas pelo Estado por entrega voluntária, apreensão, recepção ou recuperação,
serão retiradas dos circuitos comerciais e, por via de regra, comprovadamente destruídas”.
“A
este propósito, é de desejar que a regulamentação da nova lei sobre o uso e o porte
de armas favoreça a destruição das armas e não a sua reintrodução no circuito comercial”,
acrescenta a CNJP.
D. José Alves, Bispo de Portalegre-Castelo Branco e presidente
da Comissão Episcopal da Pastoral Social, assegurou à Agência ECCLESIA que iniciativas
como esta da CNJP são “respostas a uma necessidade real, porque estamos a viver numa
sociedade em que há indícios de violência de vária ordem”.
“A Igreja preocupa-se
com a paz, com a harmonia social, com uma vida de boa vizinhança e bom entendimento.
Da nossa parte, temos algo a dizer sobre este problema, na medida em que os valores
evangélicos apontam para uma convivência pacífica e o respeito pelas pessoas”, acrescenta,
defendendo que “é preciso promover a justiça social” para melhor promover a paz e
combater os focos de violência.
José Magalhães, Secretário de Estado Adjunto
e da Administração Interna, explicou aos jornalistas que conta com a cooperação “concreta”
da CNJP e de outros parceiros para as iniciativas de desarmamento, adiantando que
proximamente sairá o diploma que vai regulamentar a entrega voluntária de armas. “As
armas, nas mãos erradas, são fonte de desordem”, referiu no final da sessão.
Para
a CNJP é, contudo, indispensável que esta campanha de entrega de armas “seja acompanhada
por uma ampla mobilização nesse sentido por parte da sociedade civil”. “O Estado,
por seu turno, deverá empenhar-se em criar um clima de confiança propício ao «desarmamento»”,
acrescenta o documento.
Apelos ao Estado
Ao longo destes meses
de trabalho, que continuarão no Observatório sobre a produção, o comércio e a proliferação
de armas, a CNJP quis contribuir para identificar as causas e procurar soluções para
o tráfico e a produção de armas ilegais em Portugal.
Desde Novembro de 2005
até agora ocorreu, neste âmbito, uma mudança significativa, com a publicação de um
novo regime jurídico das armas e munições, publicado em “Diário da República” no passado
dia 23 de Fevereiro e que exige, nomeadamente, garantias de segurança e formação técnica
para os detentores de armas, que ficam também obrigados a possuir um seguro de responsabilidade
civil.
A CNJP reagiu “com satisfação, à promulgação de uma lei que vem enquadrar
o uso e o porte de armas por parte de civis”, mas também deixa o alerta para a necessidade
de “criar condições de reforço da segurança pública e fomentar uma cultura generalizada
de não-violência na resolução de conflitos de interesses”.
“Por mais aperfeiçoada
que a lei possa ser, e por mais eficientes que sejam os mecanismos adoptados para
a sua implementação, são indispensáveis instrumentos e medidas de outra natureza,
que previnam as causas que subjazem aos fenómenos da proliferação das armas”, alerta
a Comissão, falando em especial das condições de extrema precariedade económica e
social em que, presentemente, vivem certos segmentos da população, nomeadamente nas
periferias das grandes cidades.
No modo de funcionamento das sociedades democráticas,
lembra a CNJP, está implícito um “Contrato Social” pelo qual o Estado assegura a ordem
e a tranquilidade públicas e o cidadão, em troca, renuncia ao uso das armas para acautelar
este objectivo. Em todo caso, “em matéria de segurança, é notório o incumprimento
deste Contrato social por parte do Estado, embora se possa argumentar que embora se
possa argumentar que a ‘prevaricação’ é generalizada e, nos casos mais graves, altamente
organizada, por vezes com tentáculos transnacionais, difíceis de contornar”.
“Com
idêntica preocupação de criar um clima dissuasor da proliferação de armas, entendemos
que o Estado deveria assumir, pública e inequivocamente, a sua responsabilidade na
luta pela erradicação da pobreza e da exclusão social, bem como o combate à grande
desigualdade, dotando-se de necessária e eficiente organização e dos correspondentes
meios para atingir os objectivos visados neste domínio”, pode ler-se.
Armas
ligeiras?
Em todo o mundo, morrem mil pessoas por dia, atingidas pelas
armas ditas ligeiras. Os dados, revelados por um estudo da Rede de Acção Internacional
sobre Armas Ligeiras, mostra que as mortes ocorrem na sequência de homicídios, guerras,
suicídios e acidentes.
Nesta quinta sessão, Frei Bento Domingues sustentou
que as armas de defesa pessoal são “desnecessárias”, considerando que, em democracia,
“a segurança é e deve ser assegurada pelas forças de segurança”.
“A cultura
a promover é a da paz, da pacificação e da vida democrática, onde se resolvem por
consenso os conflitos”, realçou Bento Domingues, que defendeu a necessidade de “sintonizar
liberdade com responsabilidade solidária”.
O jurista e académico Pedro Bacelar
de Vasconcelos, outro dos oradores da sessão promovida pela CNJP, disse que “o problema
das armas não pode ser pensado fora de um ambiente de liberdade”.
Defendendo
que “a democracia é o meio de resolver conflitos”, Bacelar de Vasconcelos, antigo
Governador Civil de Braga, manifestou-se contra “as fobias securitárias, que não conduzem
a nada”.
O director nacional da PSP, Orlando Romano, tomou a palavra para defender
que “a segurança da sociedade é uma função colectiva” e não um exclusivo das forças
de segurança, precisando que, em todas as situações, a actuação destas forças deve
ser “proporcional” e não um factor adicional de violência.
A presidente da
Comissão Nacional Justiça e Paz, Manuela Silva, incentivou “o esforço colectivo para
pôr termo à crescente disseminação desregulada de armamento, com consequências graves
para o desenvolvimento e para a paz”.