2005-12-08 16:38:24

O homem hoje confunde a liberdade com as trevas do pecado. Bento XVI na homilia da Missa Imaculada Conceição, na Basilica de São Pedro


“A vontade de Deus não é para o homem uma lei imposta de fora, que o constringe, mas sim a medida intrínseca da nossa natureza… Se vivemos contra o amor e contra a verdade – contra Deus, destruímo-nos uns aos outros e destruímos o mundo.”
“No fundo, pensamos que o mal é bom, que precisamos ao menos de um pouco de mal para experimentar a plenitude do ser… Mas não é assim: o mal envenena sempre; não eleva o homem, abaixa-o, humilha-o, fere-o”. “O homem que se volta para Deus não se torna mais pequeno, mas sim maior, porque graças a Deus e juntamente com Ele, torna-se grande, torna-se divino, torna-se verdadeiramente o que está chamado a ser”.
Estas algumas das passagens centrais da homilia de Bento XVI na Missa deste dia 8 de Dezembro, na basílica de S. Pedro, nos 40 anos do encerramento do Concílio Ecuménico Vaticano II.


Começando por recordar o lugar reservado a Maria pelo Concílio, o Papa observou que se tratou de uma “orientação de todo o caminho” conciliar”, que evoca “a imagem da Virgem que escuta, que vive na Palavra de Deus, que guarda no seu coração as palavras que vêm de Deus e, compondo-as como num mosaico, aprende a compreendê-las”. “A grande crente que, cheia de confiança, se coloca nas mãos de Deus, abandonando-se à sua vontade”, “a humilde Mãe que, quando o exige a missão do Filho, se põe de lado”, “e ao mesmo tempo a mulher corajosa que, quando os discípulos fogem, permanece de pé junto à Cruz”.
Evocando o título de “Mãe da Igreja”, proclamado por Paulo VI (no encerramento da III sessão do Concílio, em Novembro de 64), observou Bento XVI:
“Com este título o Papa resumia a doutrina mariana do Concílio e fornecia a chave para a sua compreensão. Maria não está apenas numa singular relação com Cristo, o Filho de Deus, que, como homem, se quis tornar seu filho. Estando totalmente unida a Cristo, ela pertence também totalmente a nós”. “Maria está tão profundamente ligada ao grande mistério da Igreja que ela e a Igreja são inseparáveis, como ela e Cristo são inseparáveis”.
Interrogando-se sobre o que significa “Maria, a Imaculada”, Bento XVI, partindo do Evangelho da anunciação observou: “A saudação do anjo está tecida com os fios do Antigo Testamento, especialmente do profeta Sofonias”, fazendo-nos ver que Maria “leva em si o grande património sacerdotal de Israel, ela é ‘o santo resto’ de Israel”. “Nela está presente a verdadeira Sião, a viva e pura morada de Deus. Nela mora o Senhor, nela encontra o lugar do Seu repouso. Ela é a casa viva de Deus, que não habita em edifícios de pedra, mas no coração do homem vivo”. “Ela é o rebento do qual derivou a árvore da redenção e dos redimidos. Deus não fracassou.”
“Deus não fracassou. Na humildade da casa de Nazaret vive o Israel santo, o resto puro. Deus salvou o Seu povo. Do tronco abatido refulge novamente a sua história, tornando-se uma nova força viva que orienta e impregna o mundo. Maria é o Israel santo; ela diz ‘sim’ ao Senhor, coloca-se plenamente à Sua disposição, tornando-se assim o templo vivo de Deus”.

A parte final da sua homilia, especialmente densa e vibrante, dedicou-a Bento XVI ao comentário da primeira leitura, capítulo três do Livro do Génesis, que nos pode ajudar a compreender um pouco “o que é o pecado original, o pecado hereditário, e o que é a redenção”.
A cena da tentação de Adão e Eva – observou – mostra-nos que “o homem desconfia de Deus. Alimenta a suspeita que Deus, ao fim e ao cabo, lhe rouba algo da sua vida, que Deus é um concorrente que limita a nossa liberdade e que só seremos plenamente seres humanos quando O tivermos posto de lado, que só assim poderemos realizar em plenitude a nossa liberdade. O homem vive dominado pela suspeita de que o amor de Deus crie uma dependência e de que seja necessário desembaraçar-se desta dependência para ser totalmente o que é”. “O homem não quer contar sobre o amor, que não lhe parece ser digno de confiança; conta unicamente com o seu conhecimento, na medida em que este lhe confere poder. Mais do que sobre o amor, conta com o poder com o qual quer tomar em mão de modo autónomo a sua vida”.
Ora – insistiu Bento XVI - “o amor não é dependência, mas sim dom que nos faz viver. A liberdade de um ser humano é a liberdade de um ser limitado”. “Só a podemos possuir como uma liberdade partilhada, na comunhão das liberdades”, “vivendo de modo justo”, “segundo a verdade do nosso ser, isto é, segundo a vontade de Deus”.
“Se vivemos contra o amor e contra a verdade – contra Deus, destruímo-nos uns aos outros e destruímos o mundo. E então não encontramos a vida, mas tomamos o partido da morte. É tudo isto que é contado em imagens imortais na história da queda original e da expulsão do homem do Paraíso terrestre”.
“Com esta narração, não se descreve só a história dos inícios, mas a história de todos os tempos. Todos levamos dentro de nós uma gota do veneno daquele modo de pensar ilustrado nas imagens do Livro do Génesis. É a esta gota de veneno que nós chamamos pecado original”.
“Precisamente na festa da Imaculada Conceição emerge em nós a suspeita de que uma pessoa que não peca seja na prática uma pessoa aborrecida; que lhe falte qualquer coisa na vida – a dimensão dramática de sermos autónomos; que faça parte do verdadeiro ser homem a liberdade de dizer não, o descer às profundezas das trevas do pecado, o querer agir por si; … que precisamos de pôr à prova esta liberdade mesmo contra Deus para nos tornarmos realmente, em plenitude, nós próprios.
“Bem vistas as coisas, no fundo pensamos que o mal… é bom. Como se tivéssemos sempre necessidade ao menos de um pouco de mal para experimentar a plenitude do ser… Pensamos que pactuar um pouco com o mal, reservar-se um pouco de liberdade contra Deus, seria bom, porventura mesmo necessário”.
Mas basta olhar à nossa volta para ver que assim não é: “O mal envenena sempre; não eleva o homem, humilha-o, não o engrandece, não o torna mais puro e mais rico, mas lesa-o, redu-lo, diminui-o. É isto que devemos aprender no dia da Imaculada: o homem que se abandona totalmente nas mãos de Deus não se torna um bonequinho de Deus, uma pessoa enfadonha que só sabe consentir. O homem (que se abandona nas mãos de Deus) não perde a sua liberdade. Só o homem que confia totalmente em Deus encontra a sua verdadeira liberdade, a vastidão grande e criativa da liberdade do bem. Quem se volta para Deus não se torna mais pequeno, mas sim maior, porque é graças a Deus e juntamente com Ele que se torna grande, se torna divino, se torna verdadeiramente o que está chamado a ser O homem que se coloca nas mãos de Deus não se afasta dos outros, isolando-se na sua salvação privada; pelo contrário, só então o seu coração se abre verdadeiramente e o homem se torna um pessoa sensível, benévola, aberta. Quanto mais o homem está perto de Deus, mais perto está dos homens. Vemo-lo em Maria”.
“Em Maria, a bondade de Deus aproximou-se muito de nós. É assim que Maria está diante de nós como sinal de consolação, de encorajamento, de esperança. Ela se nos dirige, encorajando-nos a ousar com Deus: ‘Tenta! Não tenhas medo de Deus! Tem a coragem de correr o risco da fé! Tem a coragem de correr o risco da bondade! Tem a coragem de correr o risco do coração puro! Compromete-te com Deus, e verás que a tua vida se tornará ampla e iluminada, não fastidiosa, mas – ao contrário – cheia de infinitas surpresas, porque a bondade de Deus nunca se esgota!”
“Neste dia de festa – concluiu o Papa - queremos dar graças a Deus pelo grande sinal da Sua bondade que nos deu em Maria, Sua Mãe e Mãe da Igreja. Queremos pedir-lhe que coloque Maria no nosso caminho como luz que nos ajude a tornarmo-nos também nós luz e a levarmos esta luz às noites da história.”








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