2005-10-16 20:26:30

ENTREVISTA DO SANTO PADRE À TV POLONESA: BENTO XVI RECORDA JPII


Cidade do Vaticano, 16 out (RV) - Bento XVI concedeu uma entrevista à televisão estatal polonesa, na qual fala de suas recordações e de sua profunda amizade com João Paulo II.

A entrevista, na qual Bento XVI acrescenta também recordações pessoais, foi divulgada neste domingo, tendo em vista que a Polônia celebra hoje o "Dia do Papa", instituído há cinco anos, em recordação da eleição de João Paulo II à cátedra de Pedro, no dia 16 de outubro de 1978.

A entrevista foi realizada na residência pontifícia de verão, em Castel Gandolfo, pelo responsável pelos programas católicos da TVP, o jesuíta Pe. Andrzej Majewski, que foi, por mais de 10 anos, responsável pelo Programa Polonês da Rádio Vaticano. (RL/AF)

Eis o teor da entrevista:

Entrevistador:- "Santo Padre, muito obrigado por nos ter concedido esta breve entrevista por ocasião do Dia do Papa que se celebra na Polônia. Em 16 de outubro de 1978, o Cardeal Karol Wojtyla tornou-se Papa e, a partir daquele dia, João Paulo II, durante mais de 26 anos, como Sucessor de Pedro como o é Vossa Santidade, guiou a Igreja, juntamente com os bispos e cardeais. Entre os cardeais encontrava-se também Vossa Santidade, pessoa muito apreciada e estimada por seu predecessor; pessoa da qual João Paulo II escreveu, no livro "Levantai-vos! Vamos" e aqui cito: "Agradeço a Deus pela presença e a ajuda do Cardeal Ratzinger. É um amigo fiel" _ escreveu João Paulo II.

Entrevistador:- Santo Padre, como é que iniciou essa amizade e quando é que Vossa Santidade conheceu o Cardeal Karol Wojtyla.

Bento XVI:- "Pessoalmente, conheci-o apenas nos dois pré-conclave e conclave de 1978. Naturalmente tinha ouvido falar do Cardeal Wojtyla, inicialmente, sobretudo, no contexto da correspondência entre bispos poloneses e alemães, em 1965. Os cardeais alemães tinham-me referido a ele, falando de seu grandíssimo mérito e de sua contribuição, como Arcebispo de Cracóvia, e que era precisamente a alma dessa correspondência realmente histórica. Por parte de amigos universitários, tinha ouvido falar de sua filosofia e da grandeza de sua figura de pensador. Mas, como disse, o encontro pessoal, a primeira vez, foi no conclave de 1978. Desde o início, senti uma grande simpatia e, graças a Deus, e sem mérito, o Cardeal naquele tempo, ofereceu-me, desde o início, sua amizade. Sou grato por essa confiança que me concedeu, sem méritos da minha parte. Sobretudo, vendo-o rezar, vi e não só compreendi, vi que era um homem de Deus. Essa era a impressão fundamental: um homem que vive com Deus, ou melhor, em Deus. Depois, impressionou-me a cordialidade sem preconceitos, com a qual se encontrou comigo. Nesses encontros de pré-conclave entre os cardeais, várias vezes, tomou a palavra, e ali tive também a possibilidade de sentir a sua estatura de pensador. Sem grandes palavras, tinha assim, nascido uma amizade que brota do coração, e logo depois de sua eleição, o Papa chamou-me várias vezes a Roma, para colóquios, e no fim, me nomeou Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé."

Entrevistador:- Portanto não foi uma surpresa essa nomeação e essa convocação a Roma?
 
Bento XVI:- "Para mim era um pouco difícil porque, desde o inicio do meu episcopado, em Munique, com a solene consagração a Bispo, na Catedral de Munique, para mim era uma obrigação, quase um matrimônio com essa Arquidiocese, e haviam também sublinhado que, após decênios, eu era o primeiro bispo natural da Arquidiocese. Portanto, eu me sentia muito obrigado e ligado a essa Arquidiocese. Havia depois, uma série de problemas difíceis à espera de uma resposta e não queria deixar a Arquidiocese com problemas por resolver. Discuti com o Santo Padre sobre tudo isso, com grande abertura e com esta confiança que tinha o Santo Padre que era muito paternal comigo. Portanto, ele me deixou tempo para refletir, e ele próprio queria refletir. No fim, me convenceu, porque essa era a vontade de Deus. Dessa maneira, podia aceitar esse convite e essa responsabilidade grande, nada fácil, que em si superava as minhas capacidades. Mas, confiando na benevolência paterna do Papa, e guiado pelo Espírito Santo, eu podia dizer sim."

Entrevistador:- Essa experiência durou mais de 20 anos…

Bento XVI:- "Sim, cheguei em fevereiro de 1982 e durou até à morte do Papa em 2005."

Entrevistador:- Santo Padre, na sua opinião, quais são os pontos mais significativos do pontificado de João Paulo II?
 
Bento XVI:- "Eu diria que podemos ter dois pontos de vista: um ad extra _ ao mundo _ e um ad intra _ à Igreja. No que diz respeito ao mundo, parece-me que o Santo Padre, com seus discursos, sua pessoa, sua presença e sua capacidade de convencer, criou uma nova sensibilidade pelos valores morais, pela importância da religião no mundo. Isso fez com que se criasse uma nova abertura, uma nova sensibilidade pelos problemas da religião, pela necessidade da dimensão religiosa no homem e, sobretudo, cresceu _ de uma maneira inimaginável _ a importância do Bispo de Roma, que é o porta-voz da cristandade. Todos os cristãos reconheceram, não obstante as diferenças e não obstante o seu não reconhecimento do Sucessor de Pedro, que é ele o porta-voz da cristandade. Mas também para a não-cristandade e para as outras religiões, era ele o porta-voz dos grandes valores da humanidade. Deve também ser referido que conseguiu criar um clima de diálogo entre as grandes religiões e um sentido de responsabilidade comum que todos temos pelo mundo; mas também que a violência e as religiões são incompatíveis, e que juntos, devemos procurar os caminhos da paz, numa responsabilidade comum pela humanidade. Voltemos nossa atenção agora, para a situação da Igreja. Eu diria que, antes de tudo, ele soube entusiasmar a juventude por Cristo. Essa é uma coisa nova, se pensarmos na juventude de 68 e dos anos 70. Que a juventude se tenha entusiasmado por Cristo e pela Igreja e também por valores difíceis, podia consegui-lo somente uma personalidade com aquele carisma; somente ele podia, dessa maneira, mobilizar a juventude do mundo pela causa de Deus e pelo amor de Cristo. Na Igreja, ele criou _ penso _ um novo amor pela Eucaristia. Estamos ainda no Ano da Eucaristia, proclamado por ele, com tanto amor; criou um novo sentido para a grandeza da Misericórdia Divina; e aprofundou também muito, o amor por Nossa Senhora e, assim, nos guiou para uma interiorização da fé e, ao mesmo tempo, para uma maior eficiência. Naturalmente _ devemos referir _ como bem sabemos – o quanto também foi essencial a sua contribuição para as grandes mudanças ocorridas no mundo em 1989, para a queda do chamado socialismo real."
 
Entrevistador:- Durante os seus encontros pessoais e os colóquios com João Paulo II, o que é que mais impressionava Vossa Santidade? Poderia contar-nos os seus últimos encontros, talvez deste ano, com João Paulo II?
 
Bento XVI:- "Sim. Os últimos dois encontros eu os tive, o primeiro na Policlínica “Gemelli” por volta de 5-6 de fevereiro; e o segundo, no dia antes da sua morte, no seu quarto. No primeiro encontro, o Papa sofria visivelmente, mas estava plenamente lúcido e muito presente. Eu tinha ido simplesmente para um encontro de trabalho, porque precisava de algumas suas decisões. O Santo Padre _ embora sofrendo _ seguia com grande atenção o que eu dizia. Com poucas palavras, comunicou-me suas decisões, deu-me sua bênção, saudou-me em alemão, dando-me sua inteira confiança e sua amizade. Para mim foi muito comovente ver, de um lado, como o seu sofrimento estivesse em união com o Senhor sofredor, como assumisse o seu sofrimento com o Senhor e pelo Senhor; e do outro, ver como resplandecesse de uma serenidade interior e de uma lucidez completa. O segundo encontro foi no dia antes da sua morte; visivelmente, sofria muito mais e estava circundado de médicos e de amigos. Estava ainda muito lúcido, deu-me a sua bênção. Já não podia falar muito. Para mim essa sua paciência no sofrimento foi um grande ensinamento, sobretudo conseguir ver e sentir como estava nas mãos de Deus e como se abandonasse à vontade de Deus. Não obstante as dores visíveis, estava sereno, porque estava nas mãos do Amor Divino."

Entrevistador:- Sua Santidade, muitas vezes, nos seus discursos, evoca a figura de João Paulo II, e de João Paulo II diz que era um grande Papa, um predecessor saudoso e venerado. Recordamos sempre as palavras de Vossa Santidade na missa de 20 de abril passado, palavras dedicadas precisamente a João Paulo II. Foi Vossa Santidade que disse _ e aqui cito _ "parece que ele me leva pela mão, vejo os seus olhos risonhos e sinto as suas palavras, que naquele momento dirige a mim em particular: não tenhas medo!". Santo Padre, uma pergunta, afinal muito pessoal: continua a sentir a presença de João Paulo II, e se assim é, de que maneira?
 
Bento XVI:- "Certamente. Começo por responder à primeira parte da sua pergunta. Inicialmente, falando da herança do Papa, tinha-me esquecido de falar de tantos documentos que ele nos deixou: 14 Encíclicas, tantas Cartas Pastorais e tantos outros. E tudo isso representa um patrimônio riquíssimo, que ainda não foi assimilado suficientemente na Igreja. Eu considero precisamente como minha missão essencial e pessoal, não emanar tantos novos documentos, mas fazer de maneira que esses documentos sejam assimilados, porque são um tesouro riquíssimo, são uma interpretação autêntica do Vaticano II. Sabemos que o Papa era o homem do Concilio, que tinha assimilado interiormente o espírito e a letra do Concilio e, com esses textos, nos faz compreender verdadeiramente o que queria e aquilo que não queria, o Concilio. Ajuda-nos a ser verdadeiramente Igreja do nosso tempo e do tempo futuro. Agora venho à segunda parte da sua pergunta. O Papa esteve sempre perto de mim com os seus textos: eu o sinto e o vejo falar, e posso estar em diálogo contínuo com o Santo Padre, porque com estas palavras fala sempre comigo, conheço também a origem de muitos textos, recordo os diálogos que tivemos sobre um ou outro texto. Posso continuar o diálogo com o Santo Padre. Naturalmente essa proximidade através das palavras é uma proximidade não só com os textos, mas com a pessoa: por detrás dos textos sinto o próprio Papa. Um homem que vai para o Senhor, não se afasta: cada vez mais, sinto que um homem que vai para o Senhor se aproxima ainda mais, e sinto que, no Senhor, está ao meu lado, enquanto eu estou perto do Senhor, estou perto do Papa e ele agora me ajuda a estar perto do Senhor, e procuro entrar na sua atmosfera de oração, de amor do Senhor, de amor de Nossa Senhora, e me entrego às suas orações. Existe, assim, um diálogo permanente e também um estar próximos, de uma maneira nova, de uma maneira muito profunda."

Entrevistador:- Santo Padre, agora nós o esperamos na Polônia. Muitos perguntam quando é que o Papa virá à Polônia...
 
Bento XVI:- "Sim, a intenção de ir à Polônia, se Deus quiser, se os tempos o permitirem, existe. Falei com Dom Dziwisz acerca da data e me disseram que junho seria o período mais idôneo. Tudo está obviamente por organizar, com as instâncias competentes. Nesse sentido, é uma palavra provisória, mas parece que talvez no próximo mês de junho, se o Senhor o permitir, eu poderia visitar a Polônia."

Entrevistador:- Santo Padre, em nome de todos os telespectadores, agradeço-lhe de todo o coração, por esta entrevista. Obrigado, Santo Padre.

Bento XVI:- "Obrigado a você!"
 







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