Primeiro incidente diplomático sério do pontificado de Bento XVI:criticas do governo
israelita podem ser "cortina de fumo" para esconder intenção de abandonar as negociações
com a Santa Sé.
A enérgica condenação do terrorismo que o Papa fez no passado Domingo, após a oração
do Angelus, está na origem do primeiro incidente diplomático sério do seu pontificado.
O Ministério dos Negócios Estrangeiros israelita lamentou em comunicado que “o Papa
tenha omitido condenar o atentado terrorista que teve lugar em Israel a semana passada”,
aludindo a um atentado suicida palestiniano a 12 de Julho, em Netanya. As acusações
foram mais longe e falou-se mesmo em omissão “deliberada” dos mesmos, o que estaria
em contradição com a anunciada intenção de Bento XVI de dialogar com o povo judeu.
Neste caso, é importante começar pelo fim, visto que, não obstante os esclarecimentos
a nível diplomático e não só, da parte da Santa Sé não têm sido suficientes, da parte
israelita as acusações continuam a ser repetidas publicamente.
Uma fonte no Ministério israelita, precisou que, em reacção àquela "omissão", uma
reunião sobre os bens da Igreja na Terra Santa foi anulada. Após a convocação do Núncio
Apostólico em Jerusalém à sede do Ministério, a reacção do Vaticano, pela voz de Joaquín
Navarro-Valls, foi a de acusar o executivo de Sharon de procurar um “pretexto” para
distorcer as afirmações do Papa.
Com estes dados é possível concluir, como têm feito observadores e agencias internacionais,
que a intenção por detrás deste incidente diplomático é a necessidade de esconder
a intenção da parte israelita em abandonar as negociações com a Santa Sé, como acabou
por acontecer.
Para quem acompanha este processo há alguns anos, não surpreende que uma reunião entre
as duas partes seja anulada em cima da hora e sem aviso prévio. Não foi esta a primeira
vez que os representantes da Santa Sé encontraram as portas israelitas fechadas.
Estas negociações são exigidas pelo Acordo Fundamental entre Israel e a Santa Sé,
assinado em 1994, uma espécie de “Carta Magna” que regula as relações entre o Estado
hebraico e a Igreja Católica. O objectivo, nestes momentos, seria o de encontrar uma
“acordo financeiro”.
O atraso nas negociações sobre a parte financeira do acordo de 1994 tem sido uma fonte
de tensões entre o Vaticano e Israel. O que está em questão, com este acordo, é a
continuidade e o desenvolvimento das comunidades cristãs na Terra Santa, mormente
a isenção fiscal para as congregações e instituições religiosas.
Outro assunto delicado prende-se com a possibilidade de acesso da Igreja aos tribunais.
A lei actual, que remonta a 1920 – quando a Palestina estava sob domínio britânico
-, estipula que os tribunais se devem abster de julgar questões religiosas, o que
impede a Igreja Católica de recorrer aos mesmos para fazer valer os seus direitos
de propriedade.
Não menos grave é a questão do “Muro de Segurança” erguido por Israel na Cisjordânia,
que segundo o Vaticano é uma “violação permanente do Acordo Fundamental” por ter expropriado
ou dividido propriedades das Congregações Religiosas. Mas vejamos os factos:
As negociações começaram a 11 de Março de 1999, de forma oficial, mas nos últimos
anos Israel tem-se mostrado relutante em receber a delegação da Santa Sé e dialogar
sobre os termos do acordo.
A 28 de Agosto de 2003, a delegação israelita abandonou em bloco a mesa de negociações
e apenas regressou um ano depois (6 de Julho de 2004), após pressão do governo dos
EUA.
A ronda negocial prevista para 15 de Dezembro de 2004 foi adiada por causa da demissão
de um ministro e só teve lugar em Fevereiro deste ano. Para 19 de Julho passado estava
marcado um outro encontro, adiado pela parte israelita para ontem, 25 de Julho. A
intervenção dominical do Papa foi, desta vez, o motivo do cancelamento das negociações.
Várias personalidades do Vaticano têm criticado abertamente as contínuas falhas de
Israel neste processo, acusando o governo israelita de não cumprir os acordos com
a Santa Sé sobre "questões vitais" para a Igreja Católica e para a comunidade cristã
na Terra Santa.
De facto, nem o Acordo Fundamental de 1993 nem o Acordo sobre a personalidade jurídica
de 1997 têm ainda força de lei. No ano passado, o governo informou oficialmente o
supremo tribunal israelita que não se considerava vinculado ao Acordo Fundamental,
posição que ainda não mudou.