Srebrenica :10 anos do massacre, oportunidade para reconciliação
Presidente da Sérvia, Boris Tadic, inclinou-se ontem perante os restos mortais de
610 vítimas dos fuzilamentos de Srebrenica, no momento em que os corpos eram sepultados,
perto desta cidade da Bósnia-Herzegovina. O gesto representou o momento mais alto
das cerimónias que marcaram o décimo aniversário do massacre.
O episódio de Julho de 1995 é um dos mais sombrios da História recente da Europa,
envolvendo a morte sumária de 8 mil homens e rapazes muçulmanos bósnios, às mãos de
membros de milícias sérvias bósnias cujos líderes máximos nunca foram julgados. Na
cerimónia de ontem, que pretendia lembrar a tragédia, Tadic disse ter esperança de
que os acusados de responsabilidade pelo massacre, Radovan Karadzic e Radko Mladic,
sejam detidos em breve.
Srebrenica evoca um dos maiores fracassos recentes da comunidade internacional, é
hoje um dos exemplos da infame expressão "limpeza étnica", o último dos massacres
europeus. Mas ontem, a evocação do décimo aniversário desta barbaridade foi também
uma oportunidade para a reconciliação.
O massacre ocorreu no ponto mais violento das guerras da ex-Jugoslávia, no conflito
da Bósnia, que começara três anos antes. Transformada em enclave muçulmano, a cidade
estava repleta, incluindo muitos refugiados que tinham fugido das limpezas étnicas.
Srebrenica foi então cercada pelas milícias dos sérvios bósnios e tomada em poucos
dias, sem qualquer oposição significativa do contingente das Nações Unidas que deveria
ter protegido o local. Fracassaram todas as tentativas militares de obrigar os sérvios
bósnios a retirar, pois os milicianos ameaçavam matar os capacetes azuis que detinham
como reféns.
Com a queda da cidade, a população foi reunida e separados os indivíduos do sexo masculino
entre os 14 e os 75 anos. O que se seguiu foi uma impiedosa marcha da morte para 8
mil muçulmanos, escondida durante semanas pela comunidade internacional.
Srebrenica foi o fracasso da OTAN, do Ocidente, da missão de paz e da ONU. Foi uma
tragédia que jamais deverá acontecer", disse o ex-enviado dos EUA aos Balcãs e mediador
dos acordos de Dayton, que acabaram com a guerra civil da Bósnia, Richard Holbrooke,
num acto de contrição que se estendeu ao secretário-geral da ONU. Kofi Annan reiterou
que Srebrenica marcará a ONU para sempre, por ser uma das suas zonas de segurança.
Nela, os 400 soldados holandeses, timidamente armados, que protegiam os muçulmanos
de Srebrenica, foram varridos pelos sérvio-bósnios, enquanto a ONU rejeitava os apelos
da OTAN para proceder a bombardeamentos aéreos visando travar o seu avanço.
"As vítimas confiaram na protecção internacional. Mas nós decepcionámo-los", concedeu
o responsável pela política externa da União Europeia, Javier Solana. " Srebrenica
foi um fracasso colossal, colectivo e vergonhoso", concluiu, em mensagem lida nas
cerimónias que contaram com a presença, de grande peso simbólico, do chefe de Estado
sérvio, Boris Tadic, o primeiro presidente sérvio presente num acto daquela natureza,
e que pretendeu demonstrar que o seu país não aprova o massacre. Com ele estiveram
três televisões sérvias, que transmitiram as exéquias em directo.
Com a cerimónia de ontem, 2000 vítimas de Srebrenica terão sido transferidas para
o cemitério de Potocari; mas há mais 7000 sacos com restos mortais que aguardam pela
análise ao DNA, a que se juntam cadáveres que ainda não exumados de cerca de 20 valas
comuns.