Apresentação do Compendio da doutrina social da Igreja ,feita pelo Card. Renato Martino
na sede da conferencia nacional dos bispos do Brasil
1. No dia 25 de Outubro do ano passado foi apresentado o Compêndio da Doutrina Social
da Igreja, redigido pelo Conselho Pontifício «Justiça e Paz», por vontade do Santo
Padre João Paulo II. O documento —longamente esperado, dado que inicialmente se previa
a publicação pouco depois do Ano jubilar e longamente elaborado, devido aos complexos
problemas que a sua própria clareza conceptual e redacção material comportavam— foi
acolhido com grande interesse. Trata-se, porém, de um documento destinado, em base
ao próprio projecto que o gerou, a semear de modo prolongado, a fertilizar o terreno
da construção da sociedade dos tempos futuros, a motivar e orientar a presença dos
católicos na história num modo não improvisado. O destino do Compêndio não se esgotará
no número de cópias vendidas, tão pouco nas conferências de apresentação, igualmente
úteis e até indispensáveis, mas medir-se-á pela convicção com que será acolhido e
pelo uso que dele se fará para um relançamento da pastoral social em geral e, sobretudo,
para uma presença reflectida, consciente, coerente e comunitária dos leigos católicos
comprometidos na sociedade e na política. Se o hoje atesta um significativo acolhimento,
será o amanhã a decretar se o espírito e a finalidade que orientaram a realização
do Compêndio terão sido honrados.
O Compêndio da doutrina social da Igreja oferece um quadro completo das linhas fundamentais
do «corpus» doutrinal do ensinamento social católico. Em fidelidade à autoridade das
indicações que o Santo Padre João Paulo II havia oferecido no n. 54 da Exortação Apostólica
Ecclesia in America, o documento apresenta «de maneira global e sistemática, ainda
que em forma sintética, o ensinamento social, que é fruto da sapiente reflexão magisterial
e expressão do constante empenho da Igreja na fidelidade à Graça da salvação de Cristo
e na afectuosa solicitude pelos destinos da humanidade» (Compêndio n. 8).
O Compêndio tem uma estrutura simples e linear. Depois de uma Introdução, seguem-se
três partes: a primeira, composta de quatro capítulos, trata dos pressupostos fundamentais
da doutrina social – o desígnio de amor de Deus pelo homem e pela sociedade, a missão
da Igreja e a natureza da doutrina social, a pessoa humana e os seus direitos, os
princípios e os valores da doutrina social-; a segunda parte, composta de sete capítulos,
trata os conteúdos e os temas clássicos da doutrina social – a família, o trabalho
humano, a vida económica, a comunidade política, a comunidade internacional, o ambiente
e a paz-; a terceira parte, bastante breve porque composta apenas de um capítulo,
contém uma série de indicações para a utilização da doutrina social na práxis pastoral
da Igreja e na vida dos cristãos, sobretudo dos fiéis leigos. A Conclusão, intitulada
Para uma civilização do amor, exprime o entendimento de fundo de todo o documento.
2. O Compêndio tem uma precisa finalidade e caracteriza-se por alguns objectivos presentes
de modo claro na Introdução, no n. 10. Esse, de fato, «propõe-se como um instrumento
para o discernimento moral e pastoral dos complexos eventos que caracterizam os nosso
tempos; como um guia para inspirar, a nível individual e colectivo, os comportamentos
e escolhas de modo a permitir olhar o futuro com fé e esperança; como um subsídio
para os fiéis sobre o ensinamento da moral social». Um instrumento elaborado, além
disso, com o preciso objectivo de promover «um novo compromisso capaz de responder
às exigências do nosso tempo e medido sobre as necessidades e recursos do homem, mas
sobretudo o anseio de valorizar em formas novas a vocação própria dos vários carismas
eclesiais em ordem à evangelização do social, porque «todos os membros da Igreja participam
da sua dimensão secular».
Um dado que é oportuno sublinhar, porque presente em várias partes do documento, é
o seguinte: o texto é proposto como um instrumento para alimentar o diálogo ecuménico
e inter-religioso dos católicos com todos aqueles que desejam sinceramente o bem do
homem. Afirma-se, com efeito, no n. 12 que «este documento é proposto também aos irmãos
das outras Igrejas e Comunidades Eclesiais, aos seguidores das outras religiões, bem
como a quantos, homens e mulheres de boa vontade, se empenham em servir o bem comum».
A doutrina social tem, de fato, um destino universal além daquele, primário e específico,
aos filhos da Igreja. A luz do Evangelho, que a doutrina social reverbera sobre a
sociedade, ilumina todos os homens: cada consciência e inteligência é capaz de colher
a profundidade humana dos significados e dos valores expressos nesta doutrina e a
carga de humanidade e humanização das suas normas de ação.
Evidentemente, o «Compêndio da doutrina social da Igreja» concerne, antes de mais,
aos católicos, porque «primeira destinatária da doutrina social é a comunidade eclesial
em todos os seus membros, porque todos têm responsabilidades sociais a assumir… Nos
trabalhos de evangelização, ou seja, de ensinamento, de catequese e de formação, que
a doutrina social da Igreja suscita, essa é destinada a cada cristão, segundo as competências,
os carismas, os ofícios e a missão de anúncio de cada um» (n. 83). A doutrina social
implica também responsabilidades relativas à construção, organização e ao funcionamento
da sociedade: obrigações políticas, económicas, administrativas, ou seja, de natureza
secular, que pertencem aos fiéis leigos de modo particular, em razão da condição secular
do seu estado de vida e da índole secular da sua vocação: mediante tais responsabilidades,
os leigos colocam em acção o ensinamento social e realizam a missão secular da Igreja.
O Compêndio sublinha como a doutrina social está no coração da missão da Igreja. Isso
ilustra, sobretudo no cap. II, o carácter eclesiológico da doutrina social, ou seja,
a íntima relação desta doutrina com a missão da Igreja, com a evangelização e o anúncio
da salvação cristã nas realidades temporais. A missão de serviço ao mundo, própria
da Igreja, que consiste em ser sinal de unidade de todo o género humano e sacramento
de salvação, inclui, de fato, entre os seus instrumentos, também a doutrina social[3][3].
O fato de o Compêndio colocar a doutrina social dentro da missão própria da Igreja,
por um lado induz a não considerá-la como qualquer coisa acrescentada ou colateral
à vida cristã, por outro ajuda a compreender como essa pertence a um sujeito comunitário.
O sujeito adequado à natureza da doutrina social outra coisa não é, de fato, que a
inteira comunidade eclesial. Afirma o Compêndio no n. 79: «A doutrina social é da
Igreja porque a Igreja é o sujeito que a elabora, a difunde e a ensina. Essa não é
prerrogativa de um componente do corpo eclesial, mas da inteira comunidade: é expressão
do modo como a Igreja compreende a sociedade e se põe em confronto com as suas estruturas
e as suas mudanças. Toda a comunidade eclesial – sacerdotes, religiosos e leigos –
concorre a constituir a doutrina social, segundo a diversidade das funções, carismas
e ministérios no seu interior».
3. Não me é possível separar a reflexão sobre o Compêndio da doutrina social da Igreja,
ao qual dedicamos este nosso encontro, e a morte do Santo Padre João Paulo II e a
eleição de Bento XVI. Não me é possível não só por motivos cronológicos — encontramo-nos,
de fato, a pouca distância deste dois grandes acontecimentos — mas sobretudo por motivos
de substância, ligados à própria natureza do Compêndio e, portanto, com o objectivo
deste nosso encontro. É impossível separar a pergunta sobre a natureza do Compêndio
e do como podemos e devemos adoptá-lo, da recordação, não apenas emotiva mas especulativa
e, diria, teológica, do ensinamento de João Paulo II e da esperança que suscitou a
eleição de Bento XVI. Não posso, em particular, esquecer que o Compêndio foi um dos
últimos projectos orgânicos de grande envergadura no campo da doutrina social da Igreja
que João Paulo II concebeu e conduziu a termo e, de consequência, uma das frescas
heranças assumidas por Bento XVI. Isto, para mim, para nós, tem uma enorme importância.
A morte de João Paulo II lança, hoje, sobre o Compêndio, sobre as suas razões e finalidades,
uma luz ainda mais forte que ontem, a luz de um inteiro pontificado e de um pontificado
humanamente concluído: o Compêndio não representa a síntese de um tal pontificado,
mas certamente o integra plenamente. Contemporaneamente, a eleição de Bento XVI abre,
na continuidade, um desenvolvimento ulterior.
Como todos nós, também eu reflecti muito nestas semanas de particular concitação,
também íntima, sobre muitos aspectos de um pontificado, grande e luminoso, como aquele
que o Senhor quis que se concluísse no passado dia 2 de Abril. Assim fazendo, dei
por mim parando repetidamente nestas considerações. João Paulo II propôs, com modalidades
pessoais profundas e originais, a mensagem cristã na sua integridade, sem deixar nada
de fora. Apresentou o ser do cristianismo. Viveu-o. Indicou-o à Igreja e a toda a
humanidade. Falou, escreveu, advertiu, solicitou, viajou, defendeu… mas sobretudo
soube ser. A Igreja evangeliza se é Igreja. O cristianismo não deve renunciar à sua
certeza de Verdade para dialogar com as outras religiões. A abertura a todos os irmãos,
o amor em todas as dimensões, a misericórdia e o perdão não requerem alguma renúncia
à integralidade da mensagem cristã, bem pelo contrário, é exactamente sobre as suas
exigências que se fundam e da sua intensidade que extraem alimento.
Foi assim que reflecti repensando, numa espécie de memória ajustada, no longo pontificado
de João Paulo II. E fiz a mesma reflexão pensando, numa espécie de antecipação, ao
pontificado de Bento XVI, agora apenas iniciado. Sobre o anúncio da Verdade toda inteira
se funda a oposição à «ditadura do relativismo», como o novo Papa disse na sua última
homilia de cardeal e como escreveu num seu famoso livro: «Não seria difícil demonstrar
que a concepção do indivíduo como pessoa e a tutela do valor da dignidade de cada
pessoa não se podem sustentar sem que sejam fundadas sobre a ideia de Deus».
4. Neste horizonte de sentido se coloca também o Compêndio e a doutrina social da
Igreja da qual aquele é expressão e instrumento. O Compêndio deve ser entendido correctamente,
antes de mais, em sentido teológico. Depois, e consequentemente, deve ser interpretado
correctamente em sentido pastoral. Permito-me algumas reflexões sobre ambos os planos.
O Compêndio é um instrumento para a difusão da doutrina social da Igreja. Esta pertence
à integralidade da proposta cristã e ao anúncio da Verdade inteira da qual falei anteriormente.
Como João Paulo II soube transmitir a riqueza humana da fé em Cristo, assim a doutrina
social da Igreja, e portanto o Compêndio, mostram como aquela riqueza humana que a
fé cristã alimenta pode e deve tornar-se riqueza social e comunitária. A Criação está
já na óptica da Salvação; essa torna-se luminosa dentro do olhar de fé. A doutrina
social da Igreja exprime a riqueza humana do olhar de fé. Nasce da colaboração com
Deus na construção da comunidade humana. A doutrina social da Igreja, e portanto o
Compêndio, têm a ver intimamente com a vida da Igreja e são expressão da totalidade
sintética desta vida, separável analiticamente e decomponível para usos de compreensão
humana, mas unitária na sua essência. Têm, por isso mesmo, a ver com a vida da humanidade
que viaja entre a Criação e a Salvação ou, melhor, na Criação para a Salvação. Todo
o homem e todos os homens, toda a humanidade do homem e todos os homens da humanidade,
estão contemplados no mistério da Criação e a sua humanidade é plenamente assumida
e elevada no olhar de fé que, com a promessa da Salvação, ilumina o criado. O cristianismo
é uma só e única proposta de Salvação; aquela da Igreja é uma só e única vida; a construção
da humanidade segundo a gramática da Criação e em vista da Salvação anunciada é uma
só e única construção, obra de toda a família humana em paz consigo mesma e com a
criação, porque sabe contemplar Deus. Este aspecto da doutrina social da Igreja tornou-se-me
ainda mais claro nestes meses depois da morte de João Paulo II. Todo o seu magistério
o ilustrou, porque desde o início ele entendeu a doutrina social dentro da própria
vida da Igreja. Mas ilustrou-o também na sua morte, último ato de uma pedagogia completa
e complexa sobre a doutrina social. O homem é a via da Igreja. A Igreja deve aprender
do homem, enquanto na Criação está já a luz da fé, mas o homem não se compreende a
si mesmo senão em Cristo e sem Ele não consegue construir a própria cidade. A doutrina
social da Igreja, que desabrocha do ser da Igreja, desabrocha também do ser do homem
e, na unidade sintética da vida, essa representa um extraordinário instrumento de
diálogo entre a Igreja e o mundo — uma está dentro do outro, mas não se identificam
— na colaboração para a construção de uma cidade terrena à medida da Cidade celeste.
5. Esta é a natureza da doutrina social da Igreja, por tudo aquilo que ainda pude
perceber profundamente nestas últimas semanas tão particulares, sucessivas à morte
do Papa João Paulo II. O Compêndio e o seu uso estão em relação com quanto até agora
disse. Com o Compêndio não é possível haver uma relação improvisada, mas contínua;
com o Compêndio não é possível haver uma relação periférica, mas central; com o Compêndio
não é possível haver uma relação somente individual, mas comunitária. Estas necessidades
não derivam de exigências extrínsecas ou de um excesso de considerações para com o
próprio Compêndio. Não é por amor ao Compêndio que digo isto, mas pela fidelidade
que devemos todos ao ser da doutrina social da Igreja. Essa está no centro —mesmo
se não é o centro— e não na periferia da vida cristã; essa é um fato não apenas pessoal,
mas comunitário; essa pede-nos uma relação não improvisada, mas continuada.
O Compêndio não deve ser entendido, absolutamente, como um resumo didático da doutrina
social da Igreja. Ele tem um valor simbólico e um valor prático. O simbólico consiste
no chamar-nos a todo o corpus da doutrina social da Igreja, a entendê-la como uma
proposta unitária radicada na unidade da proposta cristã: a seqüela de Cristo. Isto
não significa — digo-o mesmo não desejando regressar a questões já bem debatidas no
passado e já resolvidas — que a doutrina social da Igreja não tenha e não deva ter
uma sua articulação e até uma sua aproximação, significa apenas que essa tem no centro
uma proposta de vida unitária. O prático consiste em meter-nos entre mãos um instrumento
único que deve ser usado comunitariamente, com formas de convergência pastoral, de
modo que sejamos todos ajudados a caminhar conjuntamente. Este é o significado prático-pastoral
mais interessante. O Compêndio não é um instrumento exclusivo, não substitui e, bem
pelo contrário, solicita até o acesso às encíclicas sociais ou às outras fontes do
Magistério, mas pode produzir unidade na formação, na reflexão, no discernimento,
na práxis.
6. Regressemos agora às três indicações apresentadas acima sinteticamente: um uso
não improvisado, mas continuado; não periférico, mas central; não individual, mas
comunitário. O aprofundamento destes três elementos, que agora tentarei desenvolver
sucintamente, mas que deixo à vossa reflexão sucessiva ligada também à vossa experiência
e competência, do aprofundamento destes três elementos, dizia, podem nascer ricas
e concretas indicações sobre como utilizar o Compêndio. Um uso não improvisado,
mas continuado. O Compêndio, exactamente pela sua natureza, obriga-nos a ter presente
o inteiro desenvolvimento da doutrina social. Avizinhando-se a ele, tomando-o nas
mãos e folheando-o, compreende-se que é fruto de uma história. Seria um erro vê-lo
como asséptico e compilatório. Ele nasce de uma leitura teológica —como dizia anteriormente—
da vida da Igreja no mundo e para o mundo. Não pode, portanto, que apelar a uma história
e não pode propor-se senão como continuação dessa história, como estímulo a prossegui-la
e a renová-la. Um uso improvisado, motivado pela sua publicação, pela actualidade
e pelo interesse que suscitou e suscita, é insuficiente e completamente inadequado
ao projecto no qual reentra este Compêndio. Este está ao serviço de uma presença vital
das nossas comunidades dentro da história dos homens. Estimula-nos, portanto, a pensar
para ela um uso programado, pastoralmente meditado, a longo prazo.
Um uso não periférico, mas central. Aqui devo apelar as anotações teológicas das quais
vos falei, a proposta integral da sequela de Cristo, cujos diversos aspectos não devem
absolutamente fazer pensar em alguma forma de separação, porque uma e única é a vida
cristã, aquela que se torna testemunho credível. É claro, então, que a programação
pastoral do uso do Compêndio não pode prever momentos isolados, compartimentos estanques,
percursos paralelos ou por encarregados de trabalho, mas deve ser pensado dentro da
própria vida da comunidade cristã, ou seja, em relação com a leitura da Palavra de
Deus, com a liturgia e com a oração, com o desenvolvimento de uma autêntica espiritualidade
social cristã. Deve ser pensado também dentro da programação pastoral da maturação
de uma verdadeira cultura de inspiração cristã.
Um uso não individual, mas comunitário. Distribuir o Compêndio, fazê-lo adquirir pelo
fiéis, fazer de modo que cada pessoa interessada pelo bem da comunidade o possua e
se avizinhe dele é sem dúvida uma coisa boa. Mas não devemos esquecer que a sua destinação
principal é comunitária e também a sua utilização deve prever momentos comunitários
de leitura, de confronto e de discernimento. Como não é suficiente um ciclo de conferências
que assumam como escada o índice do Compêndio, também não é suficiente que esse seja
vendido em livrarias. Além disto é necessário pensar em experiências continuativas
de confronto comunitário sobre ele e, se posso permitir-me também esta anotação, experiências
continuativas de confronto com este documento, que é a voz da Igreja, mesmo do interior
do compromisso social, económico e político. Dentro da comunidade e dentro da história:
estes são os lugares iminentes para a leitura do Compêndio e o confronto com o Compêndio.
A sua luz resulta tanto mais clara quanto mais se o interroga juntamente e dentro
de um projecto de acção social, tendo diante de nós qualquer coisa para realizar o
bem comum, na presença de rostos concretos de pessoas e concretas coisas para fazer.
Deste modo também os leigos estarão envolvidos e, sobretudo, serão envolvidos «como
leigos».
7. Como conclusão desta minha intervenção sobre o Compêndio e o seu uso, gostaria
agora de ter particularmente presente quem tenho diante de mim, ou seja, o Conselho
Permanente da vossa Conferência Episcopal. Creio que o Compêndio pode ser um instrumento
importante também para os Bispos, útil para o vosso trabalho.
A utilidade do Compêndio manifesta-se na colaboração entre vós. A articulação setorial
dos deveres, necessária para a resposta às necessidades humanas com as quais o cristianismo
deve sempre contar, pode ofuscar a visão da unidade da proposta cristã de vida de
que falei anteriormente. Certamente o Compêndio diz respeito, antes de mais, ao sector
da pastoral social. Mas se entendemos a doutrina social dentro da vida da Igreja,
como nos ensina a Gaudium et spes e, sobretudo, o magistério de João Paulo II e como
procurei exprimir nas reflexões atrás conduzidas, eis que o Compêndio se torna um
instrumento comum, de convergência a jusante, nas comunidades cristãs, mas também
e sobretudo a montante, na vossa Conferência episcopal e nos seus Ofícios e Organismos.
O Compêndio, quando bem utilizado, pode representar um instrumento de trabalho transversal,
como hoje se diz com frequência, e comum a todos.
Sempre a nível de trabalho comum, gostaria de sublinhar como o Compêndio convide,
pelo próprio fato de existir, a reconsiderar a referência orgânica a toda a doutrina
social. Certamente pode ser útil afrontar pastoralmente um ou outro problema emergente,
mesmo para fornecer às comunidades instrumentos de orientação e discernimento. Mas
a coisa verdadeiramente decisiva é fazer proceder a formação e o confronto estruturado
com a inteira doutrina social da Igreja de modo a construir no tempo uma capacidade
de produção cultural, de presença social e de empenhamento político. Sem dúvida que
o Compêndio impele a isto e, de algum modo, faz-se instrumento de um tal projecto.
A recepção do Compêndio a nível das bases, isto é, dos fiéis, das Associações e dos
Movimentos, das Dioceses e das Paróquias, dependerá muito da força e da coordenação
dos Ofícios da Conferência Episcopal. Refiro-me aqui não tanto à quantidade da recepção,
mas sobretudo à qualidade. Se o Compêndio for utilizado não ocasionalmente mas sistematicamente,
não perifericamente mas centralmente, não individualmente mas comunitariamente, dependerá
também de como a vossa Conferência Episcopal e os Ofícios da Secretaria lhe terão
dado utilização.
Renato Raffaele Card. Martino
, Presidente do Conselho Pontifício Justiça e Paz