O relatório de Amnistia Internacional: traido o compromisso com os direitos humanos
Quatro anos após o 11 de Setembro, a promessa de fazer do mundo um lugar mais seguro
permanece vazia", afirma Irene Khan, secretária-geral da Amnistia Internacional (AI),
no prefácio do relatório anual da organização britânica de defesa dos direitos humanos
que acaba de ser publicado . O documento afirma que os governos "traíram" a sua promessa
de criar uma nova ordem mundial baseada nos direitos humanos e estão a perseguir uma
"agenda perigosa".
"Está a ser instituída uma nova política que usa a retórica da liberdade e da justiça
para instaurar o medo e a insegurança", acusa Khan, numa alusão à guerra contra o
terrorismo. A organização britânica denuncia a "duplicidade" dos EUA, que procuraram
redefinir a noção de tortura, de forma a contornar a interdição do uso desta técnica
em interrogatórios.
A ONG sublinha que Washington usou a bandeira da "justiça e da liberdade", enquanto
os seus soldados eram acusados de torturar prisioneiros em Abu Ghraib, no Iraque,
e Guantanamo, em Cuba, que a AI classifica como o "gulag dos nossos tempos". "Quando
a maior potência mundial viola os direitos humanos, está a abrir caminho para que
outros infrinjam as regras", explica Khan.
O relatório, que analisa a situação em 131 países, acusa ainda a força multinacional
comandada pelos EUA e os rebeldes de terem cometido "graves violações dos direitos
humanos no Iraque, onde milhares de civis morreram" desde a queda de Saddam Hussein,
em Abril de 2003.
O documento, de 308 páginas, garante que os países do Médio Oriente estão a justificar
com a luta antiterrorista os abusos cometidos. É o caso da Arábia Saudita, do Iémen,
da Síria, da Jordânia ou do Egipto, onde activistas islâmicos foram detidos arbitrariamente
e mantidos em prisão sem julgamento. A AI destaca o caso de Israel, acusando o Estado
hebraico de "cometer crimes de guerra" contra os palestinianos.
O continente africano continua a ser devastado por conflitos armados, muitas vezes
agravados pela violação dos direitos humanos. Em 2004, homicídios, raptos e violações
foram prática corrente no Uganda, República Democrática do Congo (RDC), Somália ou
Sudão. A AI destaca o caso do Darfur, onde as
milícias Janjawid, apoiadas pelo Governo de Cartum, cometeram inúmeras violações,
queimaram aldeias, mataram civis e pilharam propriedades, levando meio milhão de pessoas
a abandonar as suas casas. A organização critica a passividade da comunidade internacional.
"As Nações Unidas parecem não querer nem poder exigir resultados aos seus estados-membros",
lamentou Khan.
Na América Latina, "o respeito pelos direitos humanos continua a ser uma utopia para
muitas pessoas", garante o relatório, que denuncia a cooperação de alguns Governos
com grupos armados, bem como o recurso à força militar para restabelecer a ordem.
A AI revela ainda o uso da tortura, de homicídios realizados pela polícia e detenções
arbitrárias.
A organização destaca os casos da Colômbia, onde a população é vítima dos paramilitares
de extrema-direita, e da Venezuela, onde a instabilidade e a radicalização política
aumentaram, mesmo após o referendo de Agosto de 2004 que manteve o Presidente Hugo
Chávez no poder. O aumento dos sequestros também é referido.
Quanto aos progressos na Ásia, foram prejudicados pela emergência de "bolsas de repressão".
A AI aponta sobretudo para a violação dos direitos humanos no Nepal, no nordeste da
Índia, na província indonésia de Aceh e no sul da Tailândia, zonas devastadas por
conflitos separatistas. Na Coreia do Norte, a ditadura comunista continuou a desrespeitar
os direitos fundamentais dos cidadãos, detidos por crimes políticos, torturados e
executados. Apesar dos progressos registados em 2004, milhares de pessoas foram condenadas
à morte e executadas na China.
A AI revela ainda que a violação dos direitos humanos atinge sobretudo mulheres, vítimas
de "um número assustador" de violações, e abusos, facilitado pela "indiferença, apatia
e impunidade" da sociedade Segundo o relatório, o Afeganistão, a RDC, a Turquia, o
Darfur e a Europa de Leste são os casos mais graves.