Bento XVI inaugurou pontificado com palavras de esperança;
“A Igreja está viva, ela é viva porque Cristo está vivo, porque ele ressuscitou verdadeiramente”,
apontou o Papa, assegurando que Deus consegue oferecer a alegria mesmo após tempos
de “obscuridade”.
A homilia do novo Papa constituiu, sem dúvida, um momento alto desta celebração de
início de pontificado. Um texto profundamente sentido e que poderá ter fornecido já
a chave do estilo de comunicação – pessoal, cordial – de Bento XVI.
“O meu verdadeiro programa de governo é: não fazer a minha vontade, não seguir as
minhas ideias, mas – juntamente com toda a Igreja – colocar-me à escuta da palavra
e da vontade do Senhor e deixar-me guiar por Ele, de tal modo que seja Ele a conduzir
a Igreja nesta hora da nossa história”: declarou o novo Papa. Recordando que alguns
aspectos do que considera ser sua tarefa, os apresentou já na mensagem pronunciada,
quarta-feira, no final do Conclave, Bento XVI preferiu deter-se a comentar dois sinais
que representam liturgicamente o ministério petrino: o chamado “pálio”, um tecido
de lã que desde o século IV é imposto ao bispo de Roma, como sinal do “jugo de Cristo”;
e o “anel do pescador” do que é chamado a assumir o “ministério de Pedro”.
Relativamente à imposição do “pálio”, o Papa observou “o jugo de Deus, a vontade
de Deus, que nós acolhemos”, “não é para nós um peso exterior, que nos oprima e tire
a liberdade”. A “nossa grande alegria” é “conhecer o que Deus quer”. “A vontade de
Deus não nos aliena, purifica-nos – eventualmente de modo doloroso – conduzindo-nos
a nós próprios. Assim, não servimos apenas a Ele mas à salvação de todo o mundo, de
toda a história”. Mas o “pálio” de lã – fez notar Bento XVI – evoca também a ovelha
perdida, doente ou fraca que o pastor põe às costas e conduz às águas da vida, que
constituía para os Padres da Igreja um imagem do mistério do mistério de Cristo e
da Igreja. A humanidade – nós todos – somos a ovelha extraviada que, no deserto, não
consegue encontrar o caminho. O Filho de Deus não se conforma. Ergue-se decididamente,
abandona a glória do céu, para ir ao encontro da ovelhinha e ir atrás dela, até à
cruz. E carrega-a aos ombros, carrega a nossa humanidade, carrega-nos a nós. Ele é
o bom pastor que oferece a vida pelas ovelhas. O Pálio diz-nos antes de mais que nós
somos levados (carregados) por Cristo. Mas ao mesmo tempo convida-nos a levar-nos
– a carregar o peso – uns dos outros.
O Pálio torna-se assim o símbolo da missão do pastor: a santa inquietação de Cristo
Pastor deve animar o pastor da Igreja, para o qual não é indiferente que tantas pessoas
vivam no deserto. O Papa referiu os muitos “desertos” da vida das pessoas: o deserto
da pobreza, da fome e da sede, do abandono, da solidão, do amor destruído. Mas também
o deserto da obscuridade de Deus, do esvaziamento das almas que perdem a consciência
da dignidade e do caminho do homem.
“Os desertos exteriores multiplicam-se no mundo porque os desertos interiores se
tornaram tão amplos. É por isso que os tesouros da terra deixaram de estar ao serviço
da edificação do jardim de Deus, no qual todos possam viver, mas encontram-se sujeitos
às potências da exploração e da destruição. A Igreja – no seu conjunto, e com ela
os Pastores - tem que pôr-se a caminho para conduzir os homens fora dora do deserto,
em direcção ao lugar da vida, da amizade com o Filho de Deus, Aquele que dá a vida,
a vida em plenitude.”
Mas o símbolo do cordeiro inclui um outro aspecto, recordou ainda Bento XVI: “o Deus
vivo, pastor de todos os homens, tornou-se ele próprio cordeiro, colocou-se da parte
dos cordeiros, da parte dos que são espezinhados e levados à morte. E é assim que
ele se revela o verdadeiro pastor”. Ora – sublinhou o Papa - “não é o poder que redime,
mas o amor! É este o sinal de Deus: Ele próprio é amor”. Muitas vezes desejaríamos
que Deus se mostrasse mais forte, que interviesse com vigor destruindo o mal e criando
um mundo melhor. Todas as ideologias do poder se justificam assim, justificam a destruição
do que se oporia ao progresso e à libertação da humanidade. Nós sofremos pela paciência
de Deus, mas é precisamente da paciência de Deus que todos nós temos necessidade:
“O Deus que se tornou cordeiro diz-nos que o mundo é salvo pelo Crucificado e não
pelos crucificadores. O mundo é redimido pela paciência de Deus e destruído pela impaciência
dos homens”.
Naquela que pode ser considerada a parte central da sua homilia, Bento XVI, sublinhando
que “uma das características fundamentais do pastor deve ser a de amar os homens que
lhe foram confiados, tal como ama Cristo”, pediu com insistência orações para que
possa ser pastor à maneira de Cristo. “Queridos amigos – suplicou - rezai por mim,
para que aprenda cada vez mais a amar o Senhor. Rezai por mim, para que aprenda a
amar cada vez mais o seu rebanho – vós, a Santa Igreja, cada um de vós pessoalmente
e todos vós conjuntamente. Rezai por mim para que não fuja, por medo, diante dos lobos.
Rezemos uns pelos outros, para que o Senhor nos leve (conduza e suporte) e para que
aprendamos a levar os pesos uns dos outros”.
Finalmente, o comentário ao outro sinal litúrgico do início do ministério petrino:
a entrega do “anel de pescador”. Referindo a missão confiada ao pescador da Galileia
de ser “pescador de homens”, o Papa observou que, segundo os Padres da Igreja, ao
contrário do que acontece com os peixes, que morrem fora da água, os homens precisam
de ser retirados das águas salgadas do sofrimento e da morte, onde vivem alienados,
num mar de obscuridade sem luz: “há que tirar os homens do mar salgado de todas as
alienações em direcção à terra da vida, para a luz de Deus. Só quando encontramos
em Cristo o Deus vivo, conhecemos o que é a vida” e percebemos o que há de único e
de irrepetível na nossa existência pessoal: “não somos o produto da evolução, casual
e sem sentido. Cada um de nós é o fruto de um pensamento de Deus. Cada um de nós é
desejado, amado, cada um é necessário.”
Numa referência final à rede da pesca milagrosa que não se rompeu, o pontífice exclamou,
aludindo às divisões existentes na Igreja de Cristo: “Infelizmente, amado Senhor,
agora a rede rompeu-se! – seríamos tentados a dizer, amargurados. Mas não, não devemos
estar tristes! Alegremo-nos com a tua promessa, que não desilude e façamos todo o
possível para caminhar em direcção à unidade que Tu prometeste. Como mendigos, façamos
memória da unidade, em oração: Sim, ó Senhor, recorda-te do que nos prometeste. Faz
que sejamos um só pastor e um só rebanho! Não permitas que se rompa a tua rede e ajuda-nos
a ser servidores da unidade!”
A concluir esta longa homilia, integralmente em italiano, o Papa evocou o início do
pontificado de João Paulo II, a 22 de outubro de 1978, e o seu memorável apelo: “Não
tenhais medo, abri, escancarai as portas a Cristo!” O Papa (observou) falava aos potentes
do mundo, que tinham medo que Cristo lhes arrebatasse uma parte do seu poder se O
deixassem entrar concedendo liberdade à fé. Mas falava também a todos os homens, sobretudo
aos jovens”.
E foi precisamente com uma exortação especialmente dirigida aos jovens, convidando-os,
na esteira do seu antecessor, a não ter medo de Cristo, que Bento XVI, concluiu a
sua homilia: “Quem faz entrar Cristo, nada perde, nada – absolutamente nada daquilo
que torna a vida livre, bela e grande. Só nesta amizade (com Cristo) experimentamos
o que é belo e nos liberta. Assim hoje, com grande vigor e convicção, partindo da
experiência de uma longa vida pessoal, quereria dizer a vós, queridos jovens: Não
tenhais medo de Cristo. Ele nada retira, e tudo dá. Quem se dá a Ele, recebe o cêntuplo.
Sim, abri, de par em par, as portas a Cristo – e encontrareis a verdadeira vida”.