2005-04-05 11:11:48

Biografia de João Paulo II:palavras -chave do seu pontificado


Karol Wojtyla tinha nascido em 1920 na cidade polaca de Wadowice, terceiro filho de um oficial inferior do exercito, e de uma dona de casa. Após o liceu efectuava os estudos de filosofia no antigo ateneu de Cracóvia, interessando-se ao mesmo tempo de literatura, teatro e desporto. A morte do pai, desde há tempo doente, juntando-se a uma série de lutos que nos anos precedentes lhe tinham tirado a mãe e os irmãos,( a mãe Emília faleceu em 1929, o irmão Edmund, médico em 1932, e o pai em 1941) deixava o jovem Karol com 20 anos de idade, sozinho no mundo precisamente no meio da fúria da segunda guerra mundial, obrigando aquele jovem a alternar o empenho universitário com pesados trabalhos como mineiro e operário. Neste período difícil amadurecia entretanto a sua vocação.

Em 1946 era ordenado sacerdote em Cracóvia e naquela cidade, após um ulterior período de aprofundamento em Roma ,conseguira a licenciatura em teologia. Seguiam-se os anos da pastoral operosa, primeiro como pároco de aldeia e depois como professor na faculdade de teologia da Universidade de Lublim; empenhos que contudo não o impediram de levar por diante uma produção literária, poética, filosófica e teológica, destinada a não se interromper.

Em 1958, nomeado bispo por Pio XII, era com apenas 38 anos de idade o prelado polaco mais jovem. Poucos anos mais tarde D. Karol Wojtyla participa nos trabalhos do Concilio Ecuménico Vaticano II com numerosas intervenções nas quais pontualizava vários temas eminentes de reflexão, destinados depois a tornarem-se outros tantos pontos chave do seu pensamento: a dignidade da pessoa humana, a família, o ecumenismo, a valorização da actividade dos leigos, a formação do clero, e numerosos outros .O seu empenho apaixonado ter-lhe-ia valido um lugar no grupo de consulta para a revisão do famoso esquema !3, a futura constituição pastoral do Concilio Vaticano II Gaudium et Spes.

Iniciava assim uma relação de estima recíproca com Paulo VI, que dois anos mais tarde o teria nomeado arcebispo de Cracóvia, conferindo-lhe portanto a responsabilidade da mais alta autoridade religiosa polaca depois do primaz Card. Estêvão Wyszynski.

Finalmente em 1967 Paulo VI elevava-o á dignidade cardinalícia considerando-o a partir daquele momento um ponto de referencia constante para uma análise clara das vicissitudes da Polónia. Nos anos sucessivos os empenhos eclesiais para o purpurado de Wadowice assumiam cada vez mais uma dimensão internacional: quatro sínodos episcopais, os exercícios espirituais pregados no Vaticano da Quaresma de 1976, numerosas conferencias e uma intensa produção editorial.

Em 1978, o ano dos três Papas, chamava o Cardeal Karol Wojtyla ao encontro com o ministério de Pedro: a morte de Paulo VI em Agosto e a seguir aquela inesperada de João Paulo I em Setembro, obrigava o colégio cardinalício a enfrentar de novo o problema da sucessão de Pedro. Era eleito um homem novo mas fiel aos percursos conciliares realizados no Ocidente, operário e intelectual, bispo ao lado do seu rebanho, mas sobretudo filho de uma nação que na fé católica erigira uma barreira cultural sólida, perante o socialismo real. Um sinal de continuidade na firmeza dos princípios, mas também de novos horizontes evolutivos para a Igreja moderna.

Ás 19h22 de 16 de Outubro de 1978 Karol Wojtyla, tendo assumido o nome de João Paulo II, saudava o mundo cristão da varanda central da Basílica de São Pedro: ”Não sei se posso explicar-me bem na vossa…nossa lingua italiana. Se errar vós corrigir-me-eis. E assim me apresento a vós todos, para confessar a nossa fé comum, a nossa esperança, a nossa confiança na Mãe de Cristo e da Igreja, e também para começar de novo a percorrer um caminho da história e da Igreja, com a ajuda de Deus e com a ajuda dos homens”.

Poucos dias mais tarde, perante religiosos e fiéis do mundo inteiro João Paulo II pronunciava um discurso destinado a ser o manifesto programático do seu pontificado, um pontificado cujas palavras – chave foram “Cristo” e “homem”.

“Não tenhais medo de acolher Cristo e de aceitar o seu poder. E ajudai o Papa e todos aqueles que querem servir a Cristo e com o poder de Cristo servir o homem e a humanidade inteira. Não, não tenhais medo. Antes, procurai abrir, melhor, escancarar as portas a Cristo”

Papa do leste, dos direitos humanos: com estas e muitas outras expressões procurou-se atribuir ao pontificado de João Paulo II uma característica exaustiva, um traço distintivo que sintetizasse a sua obra. Porém o recurso a simplificações revelou-se sempre vão, pela variedade de direcções seguidas nestes anos da sua incansável actividade pastoral, mas também daquela doutrinal que produziu 14 encíclicas e um numero elevadíssimo de outros documentos.

Alguns traços salientes desta figura extraordinária de Pontífice impuseram-se indiscutivelmente á atenção do mundo: um deles é o empenho de pastor universal, explicitado através das suas viagens a todas as partes do globo, como nunca fizera nenhum outro Papa.

A João Paulo II interessava o encontro com as culturas, também com aquelas afastadas, de um terceiro mundo sempre marginalizado ou aquelas segregadas durante anos por detrás da “cortina de ferro” na Europa do leste. Tudo isto no espírito de uma acção evangelizadora da qual a inculturação constitui “o coração, o meio e o fim” e que deseja reunir todos os povos no abraço de Cristo.

“Igreja missionária significa Igreja amada por Cristo, Igreja viva, Igreja mãe, Igreja amiga do homem, Igreja jovem, Igreja corajosa, Igreja mártir, Igreja necessitada da Misericórdia de Deus, Igreja interprete autentica da misericórdia de Deus, Igreja luz do mundo, Igreja sal da terra, Igreja comunhão de amor”.

Daqui a exigência de levar ao homem moderno, exemplos eminentes de coerência aos ditames do Evangelho.

“No nosso século - escrevia João Paulo II – voltaram os mártires, muitas vezes desconhecidos, quase soldados desconhecidos da grande causa de Deus. Testemunhas da fé nas mais diferentes realidades da história, mas sobretudo linhas-guia do desígnio de salvação do Espírito Santo que a Igreja, como ele sublinhou na encíclica “Dominum et Vivificantem”, tem a missão de anunciar.

Está nesta vocação, de que João Paulo II sentia a importância primária, a chave de leitura do grande numero de santos ( 482 ) e de bem-aventurados ( 1338 ) proclamados durante o seu pontificado.

“A santidade não como ideal histórico, mas como caminho que se deve percorrer na sequela fiel de Cristo. É uma exigência particularmente urgente no nosso tempo. Hoje a gente tem pouca confiança nas declarações verbais e enfáticas: quer ver factos concretos; por isso olha com atenção e também com admiração para as testemunhas”

A promoção da paz e da justiça, a caridade para com os marginais e deserdados, a recusa da violência que ceifa tantas vitimas diariamente nos ângulos mais diversos da terra, são os imperativos que durante longos anos animaram a actividade pastoral e diplomática sem fronteiras de João Paulo II:

“Sinto pesar sobre mim, como Sucessor de Pedro, a responsabilidade de envidar todos os esforços para seguir a causa da justiça e da solidariedade entre os filhos de uma mesma pátria e entre as nações, em vista de um amanhã melhor”

Em Harare, no Zimbabwe, em Setembro de 1988, dirigindo-se aos bispos do sul da África, falando em português disse :”Numerosos povos olham hoje para a Igreja na esperança de que ela lhes mostre como é que se poderá viver a vida com maior dignidade e liberdade, como se poderá construir uma sociedade mais justa e humana e como se poderá alcançar e defender a paz com maior eficiência. Numa palavra, o mundo olha para a Igreja á procura de um testemunho convincente da salvação total oferecida por Cristo.

Com o olhar triste de pai, o defunto Pontífice nunca tinha cessado de olhar com participação para os dramas de tantas zonas de guerra no mundo, do Ruanda ao Iraque até á martirizada ex-Jugoslávia á qual dirigiu uma promessa apaixonada: “ Não estais abandonados, estamos convosco e sempre estaremos convosco.

Com as armas não se resolvem os problemas, mas criam-se novas e maiores tensões entre os povos”: tinha escrito na mensagem para o cinquentenário do fim da segunda guerra mundial, reafirmando uma vez mais a tensão absoluta da Igreja e do seu pastor para uma paz autentica e duradoira entre os vários membros da família humana:

“A paz é a grande urgência dos nossos dias. Hoje, mais do que nunca é necessário um esforço colectivo de boa vontade para travar o delírio das armas. Mas a paz não se limita ao silencio dos canhões. Ela alimenta-se de justiça e de liberdade.”

Condenando os horrores da guerra apontava as ideologias obtusas e violentas e os seus mecanismos perversos, de propaganda, os racismos, o comercio de armas e a tentação, forte também entre os crentes, do ódio, do desprezo do outro, da prevaricação :”Basta com o ódio. Basta com o sangue, Basta com a guerra. Quem é responsável de tais actos e quem os planifica terá de responder perante Deus e os homens”….

Nunca mais a guerra, aventura sem retorno. Nunca mais a guerra, espiral de luto e de violência “.

Uma paz autêntica e duradoira não pode prescindir da reconciliação e do perdão, um perdão que se deve pedir e conceder e que, embora não implicando a renuncia aos instrumentos da justiça e do estado de direito, significa libertar o coração de sentimentos de vingança.

“Tende a audácia do perdão”: estas palavras proferidas em Zagrebe, no coração dos atormentados Balcãs são a síntese de um convite á fraternidade e á reconciliação que foi constante e continuo durante o pontificado de João Paulo II e que o sucessor de Pedro viveu e incarnou na sua própria pessoa encontrando Ali Agca, o autor do atentado que em Maio de 1981 o vitimou na Praça de S. Pedro.

Mas a movê-lo era também a vontade de diálogo fraterno com as outras religiões do mundo: pela primeira vez um Papa falou a milhares de jovens muçulmanos, ultrapassou o limiar de uma sinagoga e de uma mesquita, promoveu em Assis um encontro histórico entre representantes de todos os credos; pediu explicitamente perdão pelas afrontas cometidas contra os não católicos, na historia da Igreja.

Ainda mais incessante foi o impulso ecuménico, intenso ao ponto de o tornar disponível também a reexaminar a maneira de exercer o primado papal. Vibrante foi o apelo dirigido por João Paulo II em muitas circunstancias ás outras confissões do universo cristão – de maneira solene com a encíclica “Ut unum sint” – para superar seculares divisões e incompreensões e voltar a encontrar-se para realizar a unidade da Igreja desejada por Cristo.

“ A tarefa de guiar a Igreja no serviço da evangelização, da santificação e da caridade empenha o meu espírito acima de qualquer pensamento na constante solicitude de tornar-se construtor de comunhão entre diferentes igrejas particulares”.

A urgência de uma reconciliação entre as várias famílias cristãs encontra ulterior confirmação numa outra constante do magistério de João Paulo II: a referencia ao inicio do terceiro milénio. Este tema saldou-se muito cedo com a ideia de um Grande Jubileu para o inicio do terceiro milénio cristão que confirmava para a Igreja a tarefa pesada de guiar um mundo necessitado de purificação e de conversão.

Na sua carta apostólica Tertio Millennio Adveniente o Papa tinha convidado a viver esta expectativa como um novo advento, em preparação para uma nova primavera de vida cristã e com o objectivo de renovar tudo em Cristo, o Verbo incarnado, por meio do qual o tempo se torna uma dimensão de Deus.

“A aproximação do fim do segundo milénio solicita de todos um exame de consciência e oportunas iniciativas ecuménicas de maneira que o Grande Jubileu nos encontre, senão completamente unidos, pelo menos muito mais próximos a superar as divisões do segundo milénio”.

Dos povos aos homens, um laço de coerência e de fervor apostólico, na mensagem do Papa, defensor dos direitos humanos.

Especialmente nas encíclicas “Sollicitudo Rei Socialis, e Evangelium Vitae, e também em muitas ocasiões, João Paulo II gritou que deve ser tutelada a justiça, promovida uma herança social centrada na solidariedade, defendido o valor primário que impõe á Igreja uma oposição decidida ao aborto, á eutanásia, á pena de morte e a todas as expressões praticas de um conceito egoísta da liberdade: A vida humana é sagrada, somente Deus é o Senhor. Qualquer brecha aberta na frente do pleno respeito da vida constitui uma mina colocada nos fundamentos da convivência humana ,da democracia sã e da verdadeira paz”.

A defesa do direito á vida, a cultura da vida contrasposta, como afirmou na encíclica Evangelium Vitae, àquela da morte acompanha-se em João Paulo II á ideia de uma centralidade da família como lugar privilegiado da presença de Deus no mundo.

Com fervor o Papa dedicou-se àquelas presenças especificas e insubstituíveis que constituem a linfa vital do núcleo familiar: antes de mais a juventude pela qual João Paulo II mostrou sempre um carisma especial e uma sensibilidade particular, percebendo a importância de colocar o ministério eclesial ao serviço dos jovens, também dos mais pequenos.

Pela primeira vez na história da Igreja, o sucessor de Pedro dirigiu-se com uma carta, um documento oficial, embora escrito com um estilo simples e imediato, explicitamente ás crianças.”Na criança há algo que não pode faltar em quem deseja entrar no Reino dos Céus”. E ainda:”como é possível ficar indiferentes perante o sofrimento de tantas crianças, especialmente quando é causada de qualquer maneira pelos adultos”.

Mas também aos maiores, rapazes e raparigas do mundo inteiro João Paulo II dirigia nas jornadas mundiais da juventude e em tantas outras ocasiões de encontro, o convite:” Cristo precisa de vós para iluminar o mundo, colocai a vossa inteligência, os vossos talentos, o vosso entusiasmo, a vossa compaixão ao serviço da vida”

“Confio-vos este segredo antigo e sempre novo. Queridos jovens, segui Aquele que veio não para ser servido mas para servir e dar a própria vida em resgate de muitos. Sede as Suas mãos e o Seu coração para os vossos irmãos e irmãs”.

A sua viva participação nos problemas da família e do mundo juvenil, além das suas experiências pessoais e de operário, levaram este Papa ,de origens humildes,a fazer do trabalho e da justiça social um outro grande tema do seu magistério, com três encíclicas sobre esta temática: “Laborem Exercens” (1981): “Sollicitudo Rei Socialis” (1987) e “Centesimus Annus”(1991).

Mas é também o papel central da figura feminina que João Paulo II valorizou com particular atenção e sensibilidade: a mulher, como escreveu na carta a ela dedicada, “é aquela a quem Deus confia o ser humano e que se torna num apoio insubstituível e uma fonte de força espiritual para a própria família e ás vezes para nações inteiras”.

A Igreja, enquanto une a sua voz á denuncia de todas as injustiças que pesam sobre a condição feminina entende anunciar em positivo o desígnio de Deus, para que amadureça uma cultura respeitosa e acolhedora em relação á feminilidade. De facto, como não ver que muitos problemas hoje emergentes exigem um recurso especial ao génio feminino para serem enfrentados. Penso entre outros ma educação, no tempo livre, na qualidade da vida, das emigrações, dos serviços sociais, dos idosos, da droga, da santidade e da ecologia”.

A atenção de João Paulo II pela dignidade e papel da mulher no desígnio da criação, por analogia com a imagem d’Aquela que no pensamento cristão representa a expressão mais perfeita e completa, leva a um outro pilar do ensinamento de João Paulo II, quase um fio condutor que une entre si as suas grandes Encíclicas doutrinais: a figura da Mãe de Cristo, que de uma maneira particular e excepcional experimentou a misericórdia de Deus e que se torna um ponto firme da historia da salvação no mundo, mediante a obediência da fé.

Em João Paulo II era profunda a devoção a Nossa Senhora. Desde o inicio impôs-se como traço qualificante da sua biografia a veneração fervorosa pela Virgem Santíssima, veneração ligada efectivamente ao santuário de Czestochowa ,mas dirigida também ás capitais do culto mariano: Fátima, Lourdes, Guadalupe, Aparecida, Yamoussoukro e outras.

Com estes sentimentos ele indicou aos cristãos Maria na Encíclica “Redemptoris Mater”, como modelo sublime de fé operosa, e a ela dirigia orações intensas depositando aos seus pés os problemas e os anseios da humanidade e da Igreja, como fez em Fátima na Capelinha das Aparições em Maio de 1991.

Fidelidade ao Concilio, fidelidade á sua missão de pastor universal, fidelidade á Cruz para fazer amadurecer nos caminhos da historia as sementes fecundas da caridade e do perdão. Estas directrizes podem resumir sinteticamente uma intensa aventura humana e espiritual que João Paulo II viveu com abandono cheio de confiança e a coerência serena de quem colocou inteiramente a sua esperança em Jesus Cristo.

A recordação de Karol Wojtyla, servo dos servos de Deus, convida o homem a encontrar a coragem de interrogar-se, de colocar-se em discussão, de superar-se a si próprio com a oração e a fé: “Não tenhais medo: esta a essência da mensagem que João Paulo II deixou á humanidade inteira.

Antonio Pinheiro







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