«Se o grão de trigo, caindo na terra, não morrer, fica ele só; mas, se morrer, dá
muito fruto» (
Jo
12, 24). O Senhor interpreta todo o seu caminho terreno como o percurso do grão de
trigo, que, só através da morte, chega a produzir fruto. Interpreta a sua vida terrena,
a sua morte e a sua ressurreição de modo a desembocar na Santíssima Eucaristia, na
qual está compendiado todo o seu mistério. Uma vez que Ele viveu a sua morte como
uma oferta de Si mesmo, como um acto de amor, o seu corpo foi transformado na nova
vida da ressurreição. Por isso, Ele, o Verbo encarnado, tornou-Se agora o nosso alimento,
que conduz à verdadeira vida, à vida eterna. O Verbo eterno – a força criadora da
vida – desceu do Céu, tornando-Se assim o verdadeiro maná, o pão que o homem comunga
na fé e no sacramento. Deste modo, a Via-Sacra torna-se num caminho que introduz dentro
do mistério eucarístico: a piedade popular e a piedade sacramental da Igreja interligam-se
e fundem-se. A devoção da Via-Sacra pode ser vista como um caminho que leva à comunhão
profunda, espiritual com Jesus, sem a qual ficaria vazia a comunhão sacramental. A
Via-Sacra apresenta-se como um caminho «mistagógico».
Contraposta a esta visão, aparece a compreensão puramente sentimental da Via-Sacra,
para cujo perigo, na VIII estação, o Senhor alerta as mulheres de Jerusalém que choram
por Ele. O mero sentimento não basta; a Via-Sacra deveria ser uma escola de fé, daquela
fé que, por sua natureza, «actua pela caridade» (
Gal
5, 6). Mas isto não quer dizer que se deva excluir o sentimento. Segundo os Padres
da Igreja, o primeiro defeito dos pagãos é precisamente a sua falta de coração; por
isso, os Padres repropõem a visão de Ezequiel que comunica ao povo de Israel a promessa
feita por Deus de tirar do peito deles o coração de pedra e dar-lhes um coração de
carne (cf.
Ez
11, 19). A Via-Sacra mostra-nos um Deus que partilha pessoalmente os sofrimentos dos
homens, cujo amor não se mantém impassível nem distante, mas desce ao nosso meio até
à morte na cruz (cf.
Fil
2, 8). Este Deus que partilha os nossos sofrimentos, o Deus que Se fez homem para
levar a nossa cruz, quer transformar o nosso coração de pedra chamando-nos a partilhar
os sofrimentos alheios, quer dar-nos um «coração de carne» que não fique impassível
diante dos sofrimentos alheios, mas se deixe comover e nos leve ao amor que cura e
ajuda. Isto reconduz-nos às palavras de Jesus sobre o grão de trigo que Ele próprio
transforma em fórmula basilar da existência cristiana: «Quem ama a sua vida perdê-la-á,
e quem neste mundo aborrece a sua vida conservá-la-á para a vida eterna» (
Jo
12, 15; cf.
Mt
16, 25;
Mc
8, 35;
Lc
9, 24; 17, 33: «Quem procurar salvaguardar a vida, perdê-la-á, e quem a perder, conservá-la-á»).
Daqui se vê também o alcance do significado da frase que precede, nos evangelhos sinópticos,
esta afirmação central da sua mensagem: «Se alguém quiser vir após Mim, renegue-se
a si mesmo, tome a sua cruz e siga-Me» (
Mt
16, 24). Com todas estas palavras, o próprio Jesus nos dá a interpretação da «Via-Sacra»,
ensina-nos como devemos fazê-la e segui-la: a Via-Sacra é o caminho da perda de nós
mesmos, isto é, o caminho do amor verdadeiro. Ele precedeu-nos neste caminho; este
é o caminho que a devoção da Via-Sacra nos quer ensinar. E isto leva-nos mais uma
vez ao grão de trigo, à Santíssima Eucaristia, na qual se torna continuamente presente
entre nós o fruto da morte e da ressurreição de Jesus. Na Eucaristia, Ele caminha
connosco, como outrora com os discípulos de Emaús, fazendo-Se constantemente nosso
contemporâneo.